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Filme sobre 1ª transexual militar do país apresenta um único ponto de vista

Sem conseguir comentários da Aeronáutica, documentário 'Maria Luiza' fica monótono e cheio de lacunas

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Maria Luiza

  • Onde Em cartaz
  • Elenco Maria Luiza da Silva
  • Produção Brasil, 2019
  • Direção Marcelo Díaz

Sejamos claros —o que interessa em "Maria Luiza" é a personagem. A primeira transexual militar do país desde criança se sentiu mulher, o que não a impediu de seguir carreira na Aeronáutica, onde chegou a cabo com certa distinção, segundo ela mesma.

Notamos que era militar cumpridora de seus deveres e que nunca deu sinais de pertencimento a outro gênero que não o masculino —isso de acordo com contemporâneos hoje reformados que não conseguem evitar um disfarçado sorriso ao se referirem à ex-colega.

Quando tinha cerca de 40 anos optou por seguir os procedimentos para mudança de sexo. Não são poucos, nem simples. A profissão os tornou mais dolorosos. É disso que dá conta o documentário de Marcelo Díaz, que tem como base a narrativa da própria Maria Luiza em essência.

Um filme não só simples, como cheio de lacunas, pensará o espectador no momento mesmo em que o vê.

Essas lacunas se explicam nos letreiros finais —nenhuma autoridade da Aeronáutica se dignou a comentar o caso, afirmam. Nem a explicar por que Maria Luiza recebeu o carimbo de "inapto" para o serviço militar, porém "apto" para o serviço civil. Nem a permitir que alguma instalação militar fosse filmada.

A rigor, esse era o "subplot" (digamos assim) essencial para que o filme de Díaz conseguisse de fato dar conta de seu assunto. Ele iria então superar a trajetória pessoal do ex-cabo João Carlos da Silva para abordar a série de desarranjos da sociedade brasileira.

O primeiro deles, sem dúvida, são preconceitos muito antigos e até certo ponto compreensíveis. Não vêm do conservadorismo nacional ou algo assim. Vêm de dois milênios de cristianismo, ao menos, já que os gregos viam a androginia de outra maneira.

Se Zeus em pessoa se sentiu ameaçado por esses seres duplos, que dizer de um comandante militar sob o comando de um, digamos, Jair Bolsonaro? Esse é o segundo ponto de desarranjo —uma espécie de machismo doentio, que entre os militares parece galgar o status de lei não escrita.

Incorporar aspectos como esses ao documentário sem dúvida teria não só valor informativo, como quebraria a monotonia de uma história contada sob um único ponto de vista (o da personagem, referendada pelo filme) —por interessante que seja.

Interessante e, por vezes, comovente. Vejamos logo um dos primeiros planos. Por que Maria Luiza nos observa com olhos tão tristes? Não tem medo do espectador nem de nada mais. Recebeu sua identidade com o novo nome e nova designação sexual etc. Mas nesse olhar há muita coisa que parece ter perdido.

É uma pena o que existe de comovente na história ser recoberto por uma música desnecessariamente melosa.

Mesmo com as limitações, impossível dizer que a trajetória da personagem e sua passagem de José Carlos a Maria Luiza sejam de se jogar fora.

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