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Cinema

'Rebecca' da Netflix é bom, mas não tem nada a ver com o mundo atual

Nova adaptação de romance de 1938 traz mudanças desnecessárias e não combina com a era #MeToo

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REBECCA - A MULHER INESQUECÍVEL

  • Onde Netflix
  • Preço 21 de outubro
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Lily James, Armie Hammer e Kristin Scott Thomas
  • Produção Reino Unido, 2020
  • Direção Ben Wheatley

Mesmo quem não reverencia o romance gótico "Rebecca", dirigido por Alfred Hitchcock em 1940, pode se aborrecer ou ficar confuso com a versão recém-lançada pela Netflix da mesma história, um filme que se apoia em uma trama que envelheceu, principalmente por conta das desnecessárias mudanças no roteiro.

Os dois longas são adaptações do romance "Rebecca", lançado em 1938 pela escritora britânica Daphne Du Maurier. O elenco da película atual foi até bem escolhido —Lily James (a Lady Rose de "Downton Abbey") é a jovem humilde que se torna a segunda mulher do riquíssimo e ultrassofisticado Maxim de Winter (Armie Hammer, de "Me Chame Pelo Seu Nome"), um homem que esconde um segredo.

Não adianta espernear por causa dessa alteração. O casal da fita de Hitchcock, Joan Fontaine e Laurence Olivier parece insubstituível, mas James e Hammer tinham tudo para brilhar na pele dos mesmos personagens. Lily interpreta com verdade tanto a menina vulnerável quanto a mulher determinada em que ela se transforma, e a elegância de Armie Hammer é inatacável. Com um roteiro melhor, os dois poderiam fazer um grande filme.

Kristin Scott Thomas está impecável como a Sra. Danvers, a governanta fria e cruel que toma conta da casa do Sr. de Winter, a propriedade que herdou da família e tem o nome de Manderley. Mas sozinha a atriz britânica não consegue salvar o produto final.

O enredo feito a seis mãos e dirigido por Ben Wheatley, que tem em seu currículo thrillers macabros como "Turistas", de 2012 e "Free Fire - O Tiroteio", de 2016, faz desse um longa-metragem meio fora de seu tempo, que não combina muito com a era atual, em que movimentos como o #MeToo transformaram o mundo.

Este "Rebecca" é em alguns momentos aborrecido, em outros irritantes mas várias vezes muito agradável. Dá a impressão de que diretor e roteiristas não definiram com precisão o que queriam fazer com a história. Na versão de Hitchcock, a tensão permeia todo o longa, é um suspense do começo ao fim.

Duas mulheres brancas com roupas antigas em foto preto e branco
Joan Fontaine e Judith Anderson em "Rebecca, a Mulher Inesquecível", de Alfred Hitchocok - Divulgação

Aqui, o estilo vai e vem, uma hora é um romance, outra um suspense, às vezes um terror. A primeira personagem que nos é apresentada é a de Lily James, dama de companhia de uma mulher rica, mandona e vulgar, a Sra. Van Hopper, papel de Ann Dowd, a tia Lydia de "The Handmaid's Tale". A menina está hospedada em um hotel de luxo em Monte Carlo, onde sua patroa passa uma temporada. No mesmo lugar está o viúvo melancólico Maxim de Winter, um milionário que se aproxima da criada e acaba se interessando romanticamente por ela.

Os dois se casam impulsivamente e vão morar em Manderley, onde os hábitos são rígidos e tudo é preparado por um exército de empregados. A jovem Sra. de Winter não é muito bem recebida na casa, principalmente pela chefe dos funcionários, a Sra. Danvers, papel de Kristin Scott Thomas. A atual mulher do Sr. de Winter não é uma aristocrata, como eles esperavam. Além disso, para todos os lados que a menina olha, tem a impressão de ver fantasmas da primeira mulher de Maxim, a Rebecca que dá nome à obra. E seu marido se recusa a falar sobre a ex-mulher, o que aumenta a angústia de sua nova.

A morta deixou sua marca em todos os cantos. Na decoração do quarto em que dormia, nos cartões e envelopes com um R gravado e, principalmente, na memória da Sra. Danvers, que vive comparando as duas, em todos os mínimos detalhes, sempre em favor de Rebecca, uma mulher tida como linda, livre e sofisticada. A ansiedade da jovem Sra. de Winter é a mesma de qualquer pessoa que já se viu tomada por insegurança e ciúme da ex de um novo amor, se imaginando inferior à outra.

A jornada da nova Sra. de Winter, a maneira como ela decifra os códigos da nova realidade e se adapta a eles é a essência de "Rebecca". E o modo como ela age diante do maior desafio que se apresenta é a grande surpresa do filme. Maxim é quem esconde um segredo macabro, mas é a mocinha, metamorfoseada em uma mulher destemida, quem resolve como se livrar dele.

Essa parte da versão atual é bem diferente da de 1940. E é exatamente o que não combina com a nossa era. No final, quando tudo é desvendado e resolvido, um incômodo se instala em quem dedicou duas horas e 22 minutos a essa trama, como se o produto viesse de uma outra época, em que as transformações recentes da sociedade ainda não tivessem acontecido.

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