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Jovens bailarinos usam TikTok para romper com a perfeição da dança clássica

Casual, confessional e brincalhona, plataforma é válvula de escape para quem passa dias buscando padrão impossível

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Margaret Fuhrer
The New York Times

“Como posso ter confiança em mim mesma quando os padrões corporais do balé são esses?”, começa um vídeo postado no TikTok por uma usuária chamada @hardcorpsballet. Fui bailarina um dia, e a pergunta me fez parar e prestar atenção. Uma discussão honesta sobre o culto da magreza no balé? Sim, por favor.

E aí vieram as imagens: não um desfile de corpos esquálidos, mas, em vez disso, o rechonchudo urso do “Quebra-Nozes”, do Boston Ballet, e as criaturas peludas e penadas de “Tales of Beatrix Potter”, de Frederick Ashton.

Leitor, eu caí na risada.

Eu havia entrado na área de balé do TikTok, em que uma forma de arte governada por regras rígidas encontra a criatividade desregrada. Casual, confessional e brincalhão, o TikTok oferece uma válvula de escape aos bailarinos, especialmente os estudantes, que passam dias buscando uma perfeição impossível. O TikTok é o lugar para rir da impossibilidade, em vez de pensar obsessivamente sobre a perfeição.

Mão branca segura celular que exibe vídeo de homem negro dançando
Um TikTok de Harper Watters, um solista do Houston Ballet, toca em um telefone em Nova York, 26 de janeiro de 2021 - Yael Malka / The New York Times

À medida que mais e mais dançarinos presos em casa aderem ao TikTok, o aplicativo também se tornou o foro para dissecar alguns dos problemas e clichês que acompanham o balé. Usuários criam memes sombrios sobre dismorfia corporal, distúrbios alimentares, professores abusivos, misoginia e homofobia.

São as mesmas questões que filmes e séries de TV exploram para fins dramáticos e melodramáticos. Mas a mistura de dor e fantasia do balé no TikTok reflete qual é a sensação real de ser bailarino —as frustrações e alegrias de uma arte exigente, problemática e bela.

“Muita gente que não faz balé tem uma visão muito específica do que ele é: todo mundo é muito sério, muito magro, muito talentoso e provavelmente muito rico”, afirma Jennifer McCloskey, de 24 anos, a dançarina amadora por trás do perfil @hardcorpsballet. “Mas o balé pode existir de muitas maneiras diferentes. Minha abordagem no TikTok é ser o mais verdadeira que posso a respeito dele.”

Ainda que alguns poucos dançarinos profissionais tenham conquistado seguidores no aplicativo, estudantes adolescentes são o cerne do balé no TikTok. A plataforma serve como um camarim virtual, que permite que conversem sem se preocupar com quem está assistindo.

Enquanto o Instagram parece preferir o acabamento esmerado —promovendo bailarinos com elasticidade implausível e técnica impecável—, o balé no TikTok parece mais democrático, e a popularidade se relaciona mais à sensibilidade do que aos dotes físicos do usuário. “No TikTok, em vez de sua técnica viralizar, são suas ideias sobre balé que podem fazê-lo”, disse a bailarina e jornalista Minnie Lane em entrevista.

E a cultura do TikTok promove a franqueza, encorajando os jovens dançarinos a examinar assuntos delicados. “Os criadores regulares do TikTok, não só os da área de dança, falam de suas dificuldades pessoais, e isso faz com que eu me sinta confortável fazendo o mesmo com relação à dança”, disse Yazmine Akamine, de 19 anos, trainee no Balé de Sacramento, em entrevista.

Os retratos do balé na cultura pop podem pintar seus praticantes como desprovidos de humor (e subnutridos, e superdotados de apetite sexual). Mas os dançarinos capazes de ver o mundo que os cerca com tanta clareza quanto veem seus corpos são ótimos humoristas. O humor idiossincrático e detalhista do TikTok permite que os estudiosos do balé que são bons observadores processem suas feridas, grandes e pequenas, por meio do riso.

“É uma maneira típica da geração Z de lidar com questões sobre as quais é difícil falar”, disse Akamine. “Enquanto ri, você percebe que não é a única pessoa a ter problemas, e que as dificuldades que enfrenta são as dificuldades de toda a comunidade do balé, e não só as de sua vida.”

As nuanças das postagens lhes conferem peso e autoridade mesmo quando são formatadas como brincadeiras. Lane —que, aos 25 anos, já foi chamada de “a mãe do balé no TikTok”— produz vídeos jocosos que ilustram tanto seu amor pelo balé quanto sua exasperação com ele. (A série de vídeos “ O Que Sua Marca de Collant Favorita Tem a Dizer Sobre Seu Relacionamento Tóxico Com o Balé”, que ela criou, foi assistida centenas de milhares de vezes.)

“O balé é uma bela forma de arte, e também uma coisa realmente dolorosa, e também algo muito engraçado, e adoro que o TikTok seja capaz de encapsular isso tudo em sua multiplicidade”, disse ela. “Não quero que as pessoas pensem que, porque meus vídeos são engraçados, eles não são sérios. Levo muito a sério a ideia de mudar o balé”.

Alguns dos usuários bailarinos do TikTok estão personificando a mudança, além de defendê-la.
As instituições do balé no mundo físico estão apenas começando a repensar sua insistência em conformidade, especialmente sua adesão a normas rígidas de gênero. No TikTok, os criadores ligados ao balé muitas vezes desconsideram essas normas ou as desafiam abertamente.

Homens e mulheres transgêneros mostram seu trabalho de pontas e sua feminilidade bailarina, e atraem aplausos de comentaristas. Deion Walker, de 19 anos, que estuda balé no Hillsborough Community College, em Tampa, na Flórida, passou a postar vídeos que o mostram trabalhando em ponta poucos meses depois de começar no app, no segundo trimestre passado. Ele logo se tornou atração.

“Amo que no TikTok qualquer um possa fazer qualquer coisa e encontrar apoio, mesmo que —aliás, especialmente se— a pessoa esteja rompendo conceitos criados no passado”, disse ele.

Walker, como muitos dos usuários bailarinos do TikTok , também cria vídeos educacionais, que ajudam a divulgar a educação para o balé junto a uma audiência mais ampla. “Sou muito flexível, e muitos dos meus espectadores são jovens dançarinos, em geral pessoas não brancas, que pedem conselhos sobre como aumentar sua flexibilidade”, disse Walker, que é negro.

“Sei que alguns deles não têm dinheiro para aulas de balé. Eu não tinha dinheiro para pagar aulas, quando era mais jovem. Por isso, lhes ensino técnicas de alongamento, o tipo de coisa que eu queria saber quando estava na posição em que estão”.

Mas o balé tem seus pontos cegos no TikTok. Ainda que o mundo do balé físico tenha começado a combater seu racismo inerente, continua a não haver muita discussão sobre questões raciais no balé, no TikTok. Os mais populares criadores de vídeos de balé —como os criadores mais populares do aplicativo, em geral— são brancos.

“Sou uma loira branca magricela, e isso definitivamente é parte do motivo para que eu disponha de uma plataforma”, disse Lane. Walker faz referência a ser “shadowbanned”, o que significa a redução da prioridade de seus vídeos pela plataforma— uma queixa comum entre os criadores negros de vídeos para o TikTok.

Casos de bullying, especialmente críticas ao corpo e xingamentos homofóbicos, também são comuns. Harper Watters, de 29 anos, solista do Houston Ballet, um dos poucos bailarinos profissionais a fazer sucesso no TikTok, se declarou surpreso pelos comentários cáusticos de algumas pessoas. A maior parte das pessoas que o atacam parece pouco familiarizada com o balé.

“No Tik Tok, é mais fácil que seus vídeos cheguem a uma grande audiência fora dos círculos do balé”, disse ele. “E os espectadores não o compreendem, e não compreendem o que você está fazendo, o que resulta em mais ódio.”

O recurso de resposta a comentários da plataforma que permite vídeos em resposta a comentários individuais, oferece aos dançarinos uma maneira deliciosamente direta de confrontar “trolls”. Os divertidos vídeos de resposta de Watters se tornaram uma de suas assinaturas. (Quando um comentarista afirmou que “a homossexualidade é pecado”, Watters rebateu com um vídeo que o mostra fazendo piruetas com sapatos vermelhos de salto alto, ao som de “Mind Ya Bizness”, de Rod Lee.)

“O TikTok é tão descontraído. Por que não me divertir com ele?”, disse Watters. “Destacar comentários como esses também exerce alguma pressão, e deixa claro que não é legal falar com dançarinos dessa forma, e que quem o faz pode ser exposto por esse tipo de comportamento.”

Um dos motivos para que Watter se sinta confortável em se pronunciar abertamente no TikTok é porque ele não precisa se preocupar com a possibilidade de que seu patrão encontre os vídeos por acaso. “Seria difícil encontrar um diretor de balé que faça ideia do que é o TikTok”, afirmou ele. Mas essa atmosfera de “papai e mamãe não estão em casa” pode não perdurar.

O balé profissional começa as ganhar terreno. O American Ballet Theater, uma das maiores companhias de dança dos Estados Unidos, deu um curso sobre TikTok para seus integrantes, no ano passado. A companhia vem veiculando vídeos experimentais desde agosto e deve se tornar a primeira grande companhia de dança a manter uma conta oficial no TikTok. Aonde a companhia vai, outros grupos costumam seguir, uma mudança que alterará o ecossistema do balé na plataforma.

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