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Televisão

CNN faz um ano sem a pecha de bolsonarista com que estreou no país

Maiores ruídos do canal no período se deveram a abertura de seus microfones a defensores de pontos de vista extremados

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Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Principal novidade no mercado de mídia em 2020, a CNN Brasil completa um ano nesta segunda-feira (15) numa situação bem melhor do que quando começou. A maior desconfiança, de que o canal foi criado para ser um braço de apoio do bolsonarismo, não se confirmou.

A CNN claramente se beneficiou da hostilidade do presidente, manifestada de forma pública e frequente, contra a Globo. E não se opôs a isso, é verdade. Mas arrisco dizer que os gestos de simpatia feitos por Bolsonaro e seu séquito refletem muito mais a raiva contra a emissora carioca do que méritos próprios do novo canal de notícias.

A postura inicial da CNN, mais contemplativa do que assertiva em relação ao noticiário, também pode ter reforçado esta impressão. Bolsonaro deu inúmeras entrevistas exclusivas ao canal, inclusive no dia da estreia –e os seus entrevistadores nunca ultrapassaram a linha do respeito, evitando confrontá-lo como parte do público gostaria.

Em julho, o presidente tornou público que contraiu a Covid-19 em entrevista ao vivo a três emissoras de televisão –a TV Brasil, pública, a Record e a CNN Brasil. Por se tratar de um assunto de interesse nacional, seria de esperar que esta comunicação fosse feita da forma mais ampla e pública possível. Mas Bolsonaro não parece preocupado com esse tipo de protocolo. E a CNN não reclamou.

Quase todos os ministros do governo, entre outras autoridades, se sentiram à vontade para falar com o canal. Regina Duarte, então secretária de Cultura, protagonizou nele, ao vivo, um dos momentos mais constrangedores de sua carreira, e deixou a pasta. Osmar Terra deu algumas entrevistas, sempre fazendo previsões erradas sobre a pandemia ou defendendo tratamentos ineficazes.

Regina Duarte minimiza ditadura e interrompe entrevista à CNN - Reprodução

Mas, hoje, com os âncoras mais à vontade e uma pauta mais sensível à horrorosa gestão federal da pandemia, não acho que caiba a pecha de governista ao canal. Record, SBT e RedeTV! puseram o sarrafo num ponto muito alto.

Os maiores ruídos provocados pela CNN neste período foram causados não por uma adesão acrítica ao governismo, mas pela gestão pouco sutil de um projeto editorial e mercadológico que defende a pluralidade de opiniões.

O que seria algo natural em qualquer veículo se transformou em bandeira no canal. E com efeitos ruidosos: a abertura dos seus microfones a defensores de pontos de vista extremados, tanto em matéria de política, quanto, e ainda mais grave, em assuntos relacionados à pandemia do novo coronavírus.

No modelo defendido pela CNN Brasil, o entrevistado ou comentarista fala o que quiser e o apresentador tem a obrigação de corrigi-lo quando ouve fake news ou absurdos acima da média. Às vezes funciona.

Há um tanto de marketing nessa estratégia e imagino que, com o tempo, o canal encontrará uma tonalidade mais civilizada nos debates que propõe. Registre-se que a CNN americana manteve por mais de 20 anos um programa, Crossfire, semelhante ao Grande Debate.

Ainda que esteja distante da GloboNews em matéria de audiência, é nítido que o novo canal incomodou a concorrência, o que é muito positivo.

Num ambiente marcado fortemente pela crise econômica, pelos esforços do presidente da República em reduzir a importância dos veículos de comunicação e pela perda de público, o novo canal dá sinais de que não é exatamente a aventura que muitos imaginaram.

Como toda empresa de capital fechado, os seus números não são de divulgação obrigatória, infelizmente. O canal está festejando a presença de 200 patrocinadores e anunciantes neste primeiro ano, o que parece significativo, mas não o suficiente para entender as contas. Faltam informações.

Segundo Douglas Tavolaro, CEO do canal, o sucesso comercial neste primeiro ano permitirá à empresa antecipar em dois anos o “break-even”, ponto de equilíbrio entre receitas e custos, e o “payback”, receita necessária para pagar o investimento inicial do negócio.

A CNN Brasil nasceu como um canal por assinatura num mercado em franca decadência, o que também ajudou a alimentar muitas desconfianças sobre os seus propósitos. Mas, após um ano, também já tem presença no rádio, na internet e estuda associações com a TV aberta e com serviços de streaming.

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