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'Conversas com Cézanne' mostram pintor culto e cheio de incertezas

Artista foi clássico e revolucionário ao mesmo tempo, como diz Paulo Pasta no texto que conclui o novo livro

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Jorge Coli

Creio que a palavra mais recorrente para definir Cézanne é clássico. No formidável fluxo de grandes gênios que brotam das vanguardas francesas no final do século 19 —Monet, Renoir, Van Gogh, Gauguin, Degas, Seurat, Toulouse-Lautrec, entre outros— Cézanne foi o que mais visou a permanência e o eterno.

Paulo Pasta, no excelente texto que conclui “Conversas com Cézanne” —livro organizado por Michael Doran, bem traduzido por Julia Vidile e editado pela 34 que reúne testemunhos de amigos do artista— diz que o pintor era “clássico e revolucionário ao mesmo tempo”.

Autorretrato do pintor francês Paul Cézanne, de 1895 - Christie's/Reuters

É verdade. Cézanne (1839-1906) não tinha talento, se pensamos que não possuía a facilidade desenvolta de quem maneja o pincel com rapidez certeira. Ele sofria na incerteza de escolher o toque justo. Seu amigo Joachim Gasquet observou que ele podia ficar 20 minutos entre duas pinceladas. Estava, desse modo, na antinomia do impressionismo, tendo, para lembrar Focillon, “a obsessão do eterno na fantasmagoria dos fenômenos”.

Nessa lentidão, ele encontrava o equilíbrio fora das receitas aprendidas na escola –estruturar pela cor e pelo volume, excluindo o contorno. Criar forças espaciais tensas pela luz e pela cor. Com essas características “clássicas”, Cézanne fecundou muita pintura do futuro.

Na última década de sua vida (final do século 19, início do 20), Cézanne havia atingido celebridade e respeito nos meios mais esclarecidos. É então que críticos, marchands e artistas se aproximam dele, e é dessa época que datam os documentos reunidos no livro. Há, nessas páginas, muita reflexão sobre arte, mas há lembranças pessoais do velho pintor. Tem o sabor do vivido e da proximidade humana.

Cézanne não teve uma vida “artística”, aventurosa ou trágica. Por mais que Émile Bernard, num artigo depois de sua morte, rico de imprecisões e de imaginações, invente um duvidoso Cézanne ignorado, e mesmo apedrejado, pelos habitantes de sua cidade, Aix-en-Provence, é impossível fazer dele um marginal destrambelhado como foi Van Gogh.

Viveu de rendas, da herança confortável deixada por seu pai. Pôde, assim, se consagrar, de modo obsessivo, à pintura. Tinha gostos simples, franqueza rude, mas se entregava à conversa simpática e acolhedora. Nesse final de vida, se voltara para a religião e para o conservadorismo político.

Podia ser muito ingênuo —o crítico Gustave ​Geffroy menciona a “alma primitiva de Cézanne”, ao narrar seu espanto cheio de gratidão, quando Rodin apertou sua mão sem soberba, como alguém simples, não por Rodin ser o gênio que era, mas por ser um homem condecorado pelo governo.

Cézanne era culto, porém. Lia os clássicos e os modernos, sabia bem latim e recitava Baudelaire de cor, conhecia muito de história da pintura, tendo frequentado com assiduidade o Museu do Louvre e se aprofundado na observação dos grandes mestres. Mas não demonstrava o poder analítico extenso de um Van Gogh ou de um Delacroix. Nem teorizava de maneira complexa.

Enunciou ideias gerais sobre a arte e sobre si próprio, por vezes secretas —como a sua “pequena sensação” que, por sinal, diz ele, Gauguin lhe teria “roubado”. Por vezes com declarações afirmadas, em que sublinhava o papel da sensibilidade dos artistas e a concepção de uma arte a serviço da grandeza espiritual humana. “A arte é uma religião. Seu objetivo é a elevação do pensamento”, disse, numa frase recolhida por Léo Larguier.

Estamos longe de qualquer sentimentalismo, de qualquer emotividade social ou individual, e voltamos, novamente, às ambições “clássicas” que se situam no mundo das contemplações superiores.

Algumas de suas frases se tornaram conhecidas. A mais célebre de todas está numa carta a Émile Bernard que o livro transcreve. “Trate a natureza partindo do cilindro, da esfera, do cone”, que foi o lema dos cubistas e da abstração geométrica.

A vantagem é que “Conversas com Cézanne” traz essa carta na íntegra, e o texto prossegue numa guinada e numa profundidade maior. “Tudo posto em perspectiva, para que cada lado de um objeto, de um plano, dirija-se para um ponto central. As linhas paralelas ao horizonte dão a extensão. As linhas perpendiculares a esse horizonte dão a profundidade.”

Ou seja, a geometria e a perspectiva são instrumentos de suporte do “espetáculo da natureza”, para retomar uma expressão do artista. Cézanne se mantém fiel à figuração de um mundo construído e pensado. “Conversas com Cézanne”, contendo os testemunhos e as análises dos seus contemporâneos, é precioso, e um excelente modo de nos acercarmos, humana e artisticamente, desse grande criador.

Conversas com Cézanne

  • Preço R$ 66 (320 págs.)
  • Autor Michael Doran
  • Editora 34
  • Tradução Julia Vidile
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