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Crônicas de Dostoiévski revelam deboche e acidez do escritor sisudo

Colunas de início de carreira, inéditas até hoje, mostram lado menos conhecido do autor de 'Crime e Castigo'

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Raquel Toledo

Professora, pesquisadora e mestre em literatura e cultura russa pela Universidade de São Paulo

Crônicas de Petersburgo

  • Preço R$ 42 (96 págs.)
  • Autoria Fiódor Dostoiévski
  • Editora 34
  • Tradução Fátima Bianchi

No ano em que se comemoram os 200 anos do nascimento de Fiódor Dostoiévski, uma fase importante da recepção da literatura russa no Brasil está concluída: hoje é possível encontrar todos os romances, contos e novelas do autor traduzidos diretamente do idioma original.

Esse resultado dos esforços de editores, tradutores, pesquisadores e, claro, de leitores que esgotaram tiragens de “Crime e Castigo” e “Irmãos Karamázov” solidifica a relação entre o público brasileiro e o escritor russo.

Por outro lado, talvez esta seja a hora em que nos perguntamos: o que ainda nos falta ler de Dostoiévski? Nesse sentido, é possível encontrar, recentemente, publicações que apontam para o cronista, faceta ainda é pouco conhecida do autor russo por aqui.

“Crônicas de Petersburgo”, lançamento com organização, apresentação e tradução da professora Fátima Bianchi, da Universidade de São Paulo, entrega ao leitor textos nos quais se podem encontrar reflexões publicadas pelo autor na coluna “Crônica de Petersburgo”, ao longo de 1847, no periódico Notícias de Petersburgo.

Esses textos não são acidentais na obra do autor —na verdade, o texto jornalístico foi parte importante de sua produção. Se “Crônicas de Petersburgo” traz escritos de início da carreira, o Dostoiévski já consagrado manteve a coluna “Diário de um escritor” por quase uma década, na qual publicou alguns de seus contos mais importantes, como “Bobók”.

Segundo Bianchi, ainda estão em curso estudos que façam correlações entre a ficção e os textos de imprensa do autor. Ainda assim, ao ler “Crônicas de Petersburgo”, o leitor é levado da ficção à não ficção por cruzamentos entre a observação social e a construção de um anedotário petersburguês, sem que isso seja dado com clareza. Em certo momento, sem perceber, estamos diante de um quase conto dostoievskiano.

A mistura de gêneros é uma característica comum entre as crônicas do volume. Esse tipo de texto, popular na Rússia do século 19, não se distancia muito da crônica que conhecemos por aqui.

Comentários sobre acontecimentos da cidade num hibridismo entre observação e ficção, além da discussão de temas do momento, tornaram o gênero um grande sucesso entre leitores e uma saída financeira para muitos autores.

desenho de homem branco barbudo sentado
Retrato do escritor Dostoievski, pelo pintor russo Vasily Perov - Reprodução

No caso de Dostoiévski, foram justamente os apuros pecuniários que o levaram a colaborar com Notícias de Petersburgo após o fracasso de seu segundo romance, “O Duplo”.

Além das cinco crônicas, o volume traz a apresentação que o autor escreveu para o periódico “O Trocista”, que estava em vias de ser lançado, mas foi barrado pela censura. Como a boa tradução do seu nome aponta, este seria um periódico humorístico com o qual Dostoiévski fora convidado a colaborar —e, de fato, em “Crônicas de Petersburgo” se encontra um escritor bem-humorado.

Reduzido à imagem de escritor sisudo, na versão cronista encontramos um narrador irônico. O deboche está na apresentação ferina do novo periódico e nos textos em que tratam das figuras típicas da elite de São Petersburgo. Até o clima da capital, desafiador mesmo para os nativos, é apontado como fator preponderante nas relações entre as pessoas.

O tom quase cômico não é exclusivo das crônicas —podemos encontrá-lo em livros como “A Aldeia Stiepántchikov e Seus Habitantes”. Nelas, porém, esse tom ácido ganha contornos inesperados, porque traz comentários sobre figuras que vivem nos mesmos ambientes que o autor.

O olhar atento de Dostoiévski descortina Petersburgo e mostra as sutilezas de um observador que, por sua origem, consegue ver “de fora” a sociedade onde habita. Dessa forma, traz mais um ponto de vista sobre o autor que, mesmo nascido há 200 anos em uma terra tão distante da nossa, até hoje prende a atenção do leitor brasileiro.

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