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Equipe de 'Legalmente Loira' relembra produção que se tornou clássico feminista

Ao longo das filmagens, diálogos maliciosos foram eliminados e o final foi mudado pelo menos três vezes

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Ilana Kaplan
The New York Times

Em 2001, o nome de Reese Witherspoon já estava se tornando conhecido. Mas seria a obra-prima feminista “Legalmente Loira” que cimentaria seu status como estrela de Hollywood.

Adaptado do romance homônimo de Amanda Brown, “Legalmente Loira” acompanha Elle Woods, papel de Witherspoon, de seus inícios como universitária sonsa até seu primeiro ano de pós-graduação em direito e seus esforços para reconquistar o namorado Warner, vivido por Matthew Davis. Mas o que acontece a seguir surpreende todo mundo, inclusive Elle –a loirinha espevitada, apaixonada pela cor rosa e sempre acompanhada de seu chihuahua, Bruiser, descobre que na verdade ela foi feita para os tribunais.

Já faz 20 anos que Elle conseguiu, contra todas as expectativas, entrar para a Escola de Direito da Universidade Harvard, resistiu às propostas indecorosas de um professor, e defendeu em julgamento uma ex-integrante de sua irmandade universitária. Ela continua a ser um emblema do desafio aos estereótipos e da adesão ao empoderamento feminino apesar da misoginia. Ao refutar o clichê da “loira burra”, Elle se tornou querida por sua sinceridade e por sua insistência em ser ela mesma, sem jamais se desculpar por isso.

Em 2021, “Legalmente Loira” é ainda mais relevante. Anos antes dos movimentos MeToo e Time’s Up, a comédia dirigida por Robert Luketic já tratava de comportamento sexual indevido no trabalho e da dinâmica do poder. Fãs famosos como Ariana Grande e Kim Kardashian (as duas homenagearam o filme em vídeos) alimentam seu legado, que também conta com uma continuação lançada em 2003 (e um terceiro filme que sai no ano que vem), além de ter se transformado em musical na Broadway.

Antes do 20º aniversário do lançamento do filme, em 13 de julho, conversei com estrelas do filme (entre as quais Jennifer Coolidge, Jessica Cauffiel e Matthew Davis), com os roteiristas e com outras pessoas envolvidas na criação do “bend and snap” e do ensaio em vídeo de Elle para Harvard, sobre a produção e o legado duradouro do filme. Abaixo, trechos editados dessas conversas.

O roteiro original era muito mais malicioso.

Kirsten Smith (roteirista): Recebemos um manuscrito de ficção escrito por Amanda Brown, vindo de dois produtores diferentes; um deles era Marc Platt. A história imediatamente nos pareceu uma excelente ideia para um filme, e nós propusemos a adaptação como uma mistura de “As Patricinhas de Beverly Hills” e “O Homem que Eu Escolhi”, um filme sobre escolas de direito na década de 1970. Eu talvez tenha usado muito cor-de-rosa naquela reunião.

Jessica Cauffiel (que interpreta Margot, uma das melhores amigas de Elle): O primeiro roteiro era muito malicioso, para ser honesta, parecido com “American Pie”. O que conhecemos agora como “Legalmente Loira” é muito diferente da história inicial. O texto evoluiu de uma sucessão de tiradas muito explícitas para uma história mais universal, sobre alguém que supera as adversidades sendo ela mesma.

Karen McCullah (roteirista): Havia algumas diferenças com relação ao manuscrito. O julgamento não era por assassinato, e Elle terminava namorando um professor. Mudamos essas coisas. Fizemos a sintonia fina dos detalhes e acrescentamos alguns personagens, como Paulette, e a amizade entre elas.

Cauffiel: Originalmente, havia um diálogo em que Serena [amiga de Elle] pergunta “o que é aquela coisa que faz com que a gente se sinta melhor, não importa o que aconteça?” e eu respondo “cunnilingus”. Era um dos diálogos do filme. Quando fomos à estreia, achávamos que aquele lado malicioso ainda estaria na edição.

Reese Witherspoon sempre foi a candidata preferida ao papel de Elle, mas outras atrizes famosas foram mencionadas.

Smith: Reese foi a primeira pessoa que leu o roteiro. Parecia que ela estava à beira da fama. Nós nem o enviamos a outras atrizes.

Joseph Middleton (diretor de elenco): Nós fizemos “O Mundo de Andy” e “Viagem ao Grande Deserto”, quando ela era bem novinha, e, por isso, quando Marc sugeriu nomes, o preferido foi o de Reese. Acreditávamos muito nela.

McCullah: Christina Applegate disse alguma coisa sobre ter recusado o papel de Elle. Marc uma vez mencionou Britney Spears, e eu rebati que “não, não é uma boa ideia”. Acho que ela tinha apresentado “Saturday Night Live” no dia anterior, e os filhos dela estavam lá. Foi por isso que ele fez a sugestão.

Jennifer Coolidge (Paulette, nova amiga e manicure de Elle): Ouvi boatos, mas não sei se são verdade, de que Courtney Love disputou o meu papel. Lembro de ter ouvido que Kathy Najimy foi cotada para ele.

Smith: Lembro-me de conversar sobre contratar Chloë Sevigny para o papel de Vivian (uma estudante de direito rival). Não deu certo, e terminamos com nossa rainha Selma Blair. Selma e Reese eram amigas, porque tinham feito “Segundas Intenções” juntas. A amizade delas era uma grande âncora para todo o processo.

Ali Larter (Brooke, instrutora de ginástica que está sendo julgada por homicídio): Eles originalmente pensaram em mim como uma das meninas da irmandade. Mas quando li o roteiro, amei Brooke.

Middleton: Eu gostava muito da ideia de Paul Bettany para o papel de Luke, mas ele é britânico, e os produtores queriam um verdadeiro americano.

McCullah: Sempre descrevemos o interesse romântico de Elle (Emmett) como “o personagem de Luke Wilson”, quando estávamos escrevendo. Eles testaram outros atores, e por fim Joseph disse que “talvez devêssemos contratar Luke para interpretar o personagem de Luke Wilson”. E eu rebati: “Mesmo?”.

A equipe e o elenco fizeram muita pesquisa de campo: Smith e McCullah visitaram a Universidade Stanford, e Witherspoon, Cauffiel, e a figurinista Sophie de Rakoff passaram algum tempo em uma irmandade universitária na Universidade do Sul da Califórnia.

Smith: Passamos uma semana na escola de direito, no período de orientação. A cena na qual um grupo de novos alunos caminha em círculos falando sobre a escola veio de bisbilhotarmos aqueles alunos de direito se encontrando pela primeira vez.

McCullah: As aulas de lei criminal e de lei constitucional foram duas das que assistimos. A de lei criminal era bem interessante. A de lei constitucional me fez chorar de tédio, em alguns momentos. Mas comecei a escrever algumas das cenas para os roteiros naquela aula, e por isso algo de bom veio da experiência.

Sophie de Rakoff (figurinista): Reese e eu fomos a uma irmandade para pesquisar, durante a preparação. Todo mundo usava cor-de-rosa, e por isso já a partir dali tínhamos uma linha de raciocínio para o filme, e ela se tornou parte importante da estética do filme e da personalidade e identidade de Elle Woods.

Cauffiel: Convencemos uma irmandade inteira a ir jantar em um restaurante mexicano. Reese ofereceu pagar margaritas para todas elas a noite inteira. Quando as bebidas estavam chegando, ela se debruçou na minha direção e disse “não vamos beber". "Para nós, a bebida é água.” Nós nos mantivemos sóbrias enquanto elas enchiam a cara e fizemos anotações.

O ensaio que Elle faz em vídeo para Harvard deveria ter uma participação especial da Juíza Judy [que estrela em um reality show americano sobre um tribunal de arbitragem].

McCullah: Havia um artigo em algum lugar dizendo que aplicativos de vídeo se tornaram mais comuns depois que o filme saiu. Nós só usamos a ideia porque é bem mais interessante do que ver alguém lendo um ensaio de inscrição.

Alanna Ubach (Serena, uma das melhores amigas de Elle): A Juíza Judy deveria ser um ícone para Elle, uma pessoa que ela adora.

McCullah: Queríamos filmar Elle, Serena e Margot perseguindo a Juíza Judy sempre que ela está gravando seu programa, e dizendo “Juíza Judy! Juíza Judy! Queremos um autógrafo!”.

Ubach: Aquela cena foi cortada. A Juíza Judy não concordou. E eu disse a Reese: “E se Ryan Phillippe interpretasse um juiz famoso, com um programa de TV, e pudéssemos ver sua foto em outdoors”. Ela respondeu: “Alanna, ninguém vai acreditar que meu marido é juiz. Você está falando sério?”.

A ideia do “bend and snap”, a manobra que Elle diz ter “98% de probabilidade de atrair a atenção de um homem”, foi concebida quando as roteiristas estavam bebendo no bar de um hotel.

Smith: Marc achava que precisávamos de uma cena forte no segundo ato, e ficamos tentando imaginar como criar uma cena em torno de Elle e Paulette. Pensamos em um assalto ao salão de manicure. Ou um mistério.

McCullah: E eu propus: “E se fosse uma coisa simples, com Elle ensinando uma manobra a Paulette para que ela consiga conquistar o entregador de encomendas?”. Kirsten pulou da banqueta do bar e disse: “Algo assim”, e fez a manobra. Não sei quem de nós duas criou o nome “bend and snap”, mas provavelmente o dissemos ao mesmo tempo.

Smith: Karen perguntou se alguém tinha me ensinado aquilo. E eu respondi que não, tinha inventado na hora. Fomos ao escritório de Marc e eu mostrei a manobra; Toni Basil terminou envolvida como coreógrafa porque, quando Robert leu a cena, ele se empolgou muito e quis transformá-la em um número musical completo. E com isso me vi visitando o estúdio de Toni para ensinar a ela e a um bando de dançarinas o “passo” que criei.

Toni Basil (coreógrafa): Coreografei coisa emblemáticas para David Bowie e Tina Turner. Mas quando me entrevistam, as pessoas perguntam se fui eu que criei o “bend and snap”. É um número de o que, 90 segundos, no filme? Mas se tornou uma parte importante da história.

Smith: Toni chamava uma parte da manobra de “as asinhas de galinha”. Ela dizia “mais asas de galinha, mais asas de galinha”. Jennifer é ótima nas asas de galinha. Ela transformou tudo que fez naquele filme em um exemplo de falta de jeito hilariante.

Coolidge: Toni ficou incrivelmente frustrada com minha incapacidade de lidar com a coreografia. Reese aprendeu o “bend and snap” em 10 minutos, e eu era a antítese disso.

Basil: Jennifer mudou os movimentos. Ela empurrava os peitos para a frente, em lugar de fazer o “snap”, porque é isso que Jennifer faz, sempre a coisa certa para a personagem.

Coolidge: Um dia eu disse a Basil que “não sou Elle, sou o outro personagem, Paulette, e eu não seria boa no ‘bend and snap’. Não é quem eu sou”. E Toni disse: “Jennifer, você precisa aprender esse número de dança porque, mesmo que faça seu melhor, sempre vai ser a pior dançarina”. Foi um momento preocupante. Mas ela estava certa.


Raquel Welch, que interpretou a ex-mulher do marido assassinado de Brooke, pediu iluminação especial.

Anthony Richmond (diretor de fotografia): Ela sabia que iluminação queria. Eu tinha dois conjuntos de luzes, o que eu queria e que ela queria, para ela poder se ver no espelho. Eu baixava um conjunto de luzes aos poucos e acendia o outro, para ela não perceber a mudança.

Rakoff: Ela era obcecada com a iluminação. Quando fui à casa dela para os ajustes das roupas, conversamos sobre a cena do tribunal, e ela disse que precisava usar um determinado chapéu. Era um grande chapéu preto de palha, e por dentro daquela aba imensa havia uma segunda camada de palha, branca, que rebatia luz para seu rosto. Ela basicamente criou um chapéu para a cena, com rebatedor embutido.

Coolidge: Só sei que ela não precisava de iluminação especial. Parecia estranhamente jovem e sexy. Seu rosto, as mãozinhas pequenas – ela deve ter feito um acordo com o diabo. É muito linda.

Alguns dos membros do elenco tiveram “crushes” reais durante as filmagens.

Ubach: Descobri que Matthew estava a fim de Selma durante a cena do julgamento. Dava para ver o coração dele batendo sempre que estava perto dela. Ele ficava muito inseguro, e me lembro de pensar “como é que um cara bonito assim pode ficar inseguro?”.

Matthew Davis (Warner): Vou adorá-la até morrer. Sempre vou lembrar com muito carinho de como ela cuidou de mim, porque eu era muito inexperiente.

Cauffiel: Acho que Matthew era apaixonado por todo mundo. Em dado momento ele estava a fim de Alanna.

Coolidge: Eu mesma tinha um “crush” em Bruce Thomas, que interpretou o entregador de encomendas. Mas ele era casado, tinha uma bela mulher e filhos. Eu não precisava fingir que estava excitada sempre que ele entrava –era tudo real.

Cauffiel: Todo mundo era a fim de Luke, mas ele namorava duas top models.

As audiências de teste não gostaram do final original, e por isso ele foi refilmado para mostrar Elle na formatura do curso de direito.

Cauffiel: O fim original era Elle e Vivian no Havaí, sentadas em cadeiras de praia, bebendo margaritas e de mãos dadas. A insinuação era a de que tinham se tornado grandes amigas, ou estavam envolvidas romanticamente. O segundo ou terceiro final era um número musical na escadaria do tribunal. Quando Elle sai, o juiz, júri e todos os espectadores começam a cantar e dançar. Eu espero há 20 anos que alguém vaze a cena.

McCullah: Originalmente, cortávamos para dali a um ano, Elle e Vivian tinham se tornado amigas, e Vivian pintou o cabelo de loiro. Elas criam o Blond Legal Defense Club e estavam distribuindo panfletos na universidade. Era esse o fim do manuscrito de Amanda.

Smith: Uma das versões terminava com Elle e Emmett se beijando. Nós passamos uma prévia do filme duas ou três vezes, e em cada uma delas as pessoas não queriam que terminasse em beijo. Achavam que história não era sobre Elle arranjar um namorado, o que era uma posição realmente bacana dos espectadores.

McCullah: No saguão do cinema, no dia do teste, Kirsten e eu propusemos cortar para a formatura e usar legendas. Começamos a escrever a cena naquele momento, com Marc.

Smith: Reese estava rodando um filme na Inglaterra naquele momento, “Armadilhas do Coração”, e por isso a refilmagem, dela aconteceu na Inglaterra, e ela teve de usar uma peruca.

McCullah: Luke tinha raspado a cabeça para “Os Excêntricos Tenembaums” e por isso usou uma peruca.

Coolidge: A fala de Elle no fim era tão boa que Donald Trump roubou algumas partes.

Elenco e equipe dizem que o filme permaneceu porque, com o tempo, as pessoas começaram a simpatizar ainda mais com as ideias que ele defende.

Smith: Era a mensagem feminista certa e a personagem certa para aquele momento. O filme deixa claro o que deseja expressar: a contradição de que é possível ser uma mulher que luta por ser ouvida e dotada de um ponto de vista muito claro, uma pessoa forte e inteligente, mas também engraçada, divertida e e interessada por coisas diferentes, como a moda e a lei.

Davis: Eu certamente sou parcial, e o que vou dizer pode parecer exagero, mas acho que “Legalmente Loira” foi um dos últimos grandes filmes rodados em 35 mm. Capturava o espírito, a grandeza e a magia de Hollywood. Reese é uma superestrela de grande magnetismo, e o filme deu espaço para que ela mostrasse seu talento. Acho que conseguimos criar um momento mágico.

Larter: Há essa força inegável, e Elle jamais permite que suas dúvidas sobre si mesma a derrubem. Ao assistir a um filme assim, você passa a acreditar um pouco mais em você.

Basil: O filme é relevante para mim de uma maneira mais profunda agora do que no passado. Mulheres, remuneração igual e o movimento #MeToo foram coisas que surgiram nos últimos 20 anos e que não existiam quando as garotas estavam criando o filme.

Fãs lembram constantemente os atores e a equipe de como o filme os afetou.

Coolidge: As pessoas abordam Reese e dizem que estudaram direito por causa dela. E algumas pessoas me dizem a mesma coisa. Não acho que todas essas pessoas estejam mentindo. Acho que a história realmente inspirou muita gente.

Davis: Uma amiga me arranjou um encontro às cegas um dia e me disse que eu gostaria da pessoa, ela é legal, ela é advogada. Tomamos uma cerveja, e nos demos bem. Não falei muito de minha história como ator. No fim da noite, começamos a nos beijar. Bem no meio da coisa, ela parou para informar: “Tenho que contar que ‘Legalmente Loira’ é meu filme favorito, e me tornei advogada por isso. Eu passei a noite toda querendo dizer isso”.

McCullah: Eu estava de férias em Fiji e outro hóspede contou a um casal de advogados do México que estava em lua de mel que eu escrevi “Legalmente Loira”. A mulher correu para mim, me abraçou e disse “você me autorizou a usar cor-de-rosa todos os dias da minha vida”. Foi fofo.

Coolidge: Eu às vezes estou em um ambiente que não é muito de “bend and snap”, caminhando por um túnel escuro do metrô, e alguém se aproxima de mim e faz a manobra. Eu posso estar em um avião, com o cinto de segurança atado, mas pessoas me pedem para demonstrar a manobra. Às vezes esses pedidos não são o que você quer fazer no meio de uma turbulência.

Cauffiel: Há fãs ferozes de “Legalmente Loira” espalhados pelo mundo. Posso estar pedindo um sanduíche em algum lugar, e alguém me pergunta: “Mas você ainda tem seu elástico da sorte?”. Posso estar de chapéu, com roupas de mãe, mas as pessoas querem tirar fotos e falar a respeito. Amo esses momentos porque vejo a forma pela qual algo que tivemos a sorte de fazer tocou as vidas de tanta gente.

Tradução de Paulo Migliacci

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