O cineasta americano Spike Lee, que preside o júri da 74ª edição do Festival de Cannes, chamou o presidente brasileiro de "gângster" durante a abertura da cerimônia, ocorrida nesta terça (6).
“O mundo está sendo comandado por gângsteres. Há o Agente Laranja [o ex-presidente americano, Donald Trump], o cara do Brasil [Jair Bolsonaro] e [o presidente russo Vladimir] Putin. São bandidos e vão fazer o que desejarem. Não têm moral ou escrúpulos, precisamos falar alto sobre gente assim.”
Foi a prova de que, mesmo depois de um ano de hiato por causa da pandemia, Cannes voltou ao calendário cinematográfico a todo vapor. Spike Lee é famoso por sua metralhadora verbal.
O júri neste ano veio bastante diverso, com cinco mulheres e quatro homens, incluindo membros de origem africana, asiática e latino-americana. O diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, vencedor do prêmio do júri em 2019, por “Bacurau” (codirigido por Juliano Dornelles), é um dos participantes —no ano passado, ele também havia sido um dos jurados no Festival de Berlim, outro dos maiores eventos do cinema mundial.
Mendonça Filho também teve uma fala de conotação política, ao comentar a situação da Covid-19 no Brasil.
“Temos meio milhão de mortos por Covid-19. Sabemos que se o governo tivesse agido como deveria, poderiam ter sido salvas 350 mil vidas. Acho que uma forma de resistir é transmitir informações adiante, falar, discutir”, disse o pernambucano. Continuou com o tom engajado para criticar a falta de uma política cultural sob o governo Bolsonaro.
“A Cinemateca Brasileira foi fechada de um ano para cá. [Tem] 90 mil títulos, 230 mil rolos de filmes e programas de TV. Todos os técnicos e especialistas foram demitidos. É uma demonstração de desprezo pela cultura e pelo cinema, e acho que deveria mencionar isso porque estamos em um festival, todos amamos o cinema. E [a Cinemateca] é um templo de preservação. Muitos amigos não brasileiros me perguntam o que podem fazer. Eu digo: escrevam, falem sobre isso, chamem o governo e perguntem por que estão fazendo isso”, completou o cineasta.
Lee, que é o primeiro negro a presidir o corpo de jurados, já esteve na Croisette por três vezes na disputa pela Palma de Ouro. Saiu com o grande prêmio do júri em 2018, por “Infiltrado na Klan”, mas o cineasta ainda hoje é lembrado por muitos como injustiçado pelo festival, quando seu explosivo “Faça a Coisa Certa” foi esnobado pelo grupo presidido por Wim Wenders, em 1989.
“Muita gente disse que o filme daria início a uma série de motins raciais pelos EUA”, disse Lee, em referência ao conteúdo de seu longa, sobre uma rebelião em um bairro negro em Nova York. “Escrevi o filme em 1988. Mas aí você vê o irmão Eric Garner e o rei George Floyd mortos [ambos homens negros assassinados por policiais brancos, em 2014 e 2020], lembro do [personagem de ‘Faça a Coisa Certa’ também assassinado] Radio Raheem. Você espera que 30 malditos anos depois a população negra não seja mais caçada como um animal.”
O presidente do júri também comentou uma das grandes polêmicas envolvendo o Festival de Cannes, que é a resistência do evento em apresentar na mostra competitiva obras produzidas apenas para o streaming —o regulamento exige que só longas que também terão exibição em salas de cinema francesas possam disputar a Palma de Ouro. A Netflix, em protesto, boicota o evento desde 2019.
“Não é novidade, é sempre um ciclo”, disse Lee, sobre a discussão se o esquema de vídeo sob demanda levaria as salas de exibição ao fim. “O cinema e o streaming podem, sim, coexistir.”
Além de Lee e Mendonça Filho, integram o júri a cineasta franco-senegalesa Mati Diop, a atriz americana Maggie Gyllenhaal, a diretora austríaca Jessica Hausner, a cantora franco-canadense Mylène Farmer, a atriz francesa Mélanie Laurent, o ator francês Tahar Rahim e o ator sul-coreano Song Kang-ho.
O Festival de Cannes começa oficialmente na noite desta terça na França, com uma cerimônia de abertura seguida da estreia mundial de “Annette”, aguardado longa do francês Leos Carax, estrelado por Marion Cotillard e Adam Driver.
VEJA A LISTA DE FILMES DO FESTIVAL
Competição
Abertura |
Leos CARAX (França) |
*** | |
A FELESÉGEM TÖRTÉNETE (L’HISTOIRE DE MA FEMME) |
Ildikó ENYEDI (Hungria) |
BENEDETTA | Paul VERHOEVEN (Holanda) |
BERGMAN ISLAND | Mia HANSEN-LOVE (França) |
DRIVE MY CAR | Ryusuke HAMAGUCHI (Japão) |
FLAG DAY | Sean PENN (EUA) |
HA'BERECH (LE GENOU D’AHED) |
Nadav LAPID (Israel) |
HAUT ET FORT | Nabil AYOUCH (Marrocos) |
HYTTI NRO 6 (COMPARTMENT NO.6) |
Juho KUOSMANEN (Finlândia) |
JULIE (EN 12 CHAPITRES) | Joachim TRIER (Noruega) |
LA FRACTURE | Catherine CORSINI (França) |
LES INTRANQUILLES | Joachim LAFOSSE (Bélgica) |
LES OLYMPIADES | Jacques AUDIARD (França) |
LINGUI | Mahamat-Saleh HAROUN (Chade) |
MEMORIA | Apichatpong WEERASETHAKUL (Tailândia) |
NITRAM | Justin KURZEL (Austrália) |
FRANCE | Bruno DUMONT (França) |
PETROV’S FLU | Kirill SEREBRENNIKOV (Rússia) |
RED ROCKET | Sean BAKER (EUA) |
THE FRENCH DISPATCH | Wes ANDERSON (EUA) |
TITANE | Julia DUCOURNAU (França) |
TRE PIANI | Nanni MORETTI (Itália) |
TOUT S’EST BIEN PASSÉ | François OZON (França) |
UN HÉROS |
Asghar FARHADI (Irã) |
Um Certo Olhar
MONEYBOYS |
C.B Yi (Áustria) |
1º filme |
|
BLUE BAYOU |
Justin CHON (EUA) |
||
FREDA |
Gessica GÉNÉUS (Haiti) |
1º filme |
|
DELO |
Alexey GERMAN JR. (Rússia) |
||
BONNE MÈRE |
Hafsia HERZI (França) |
||
NOCHE DE FUEGO |
Tatiana HUEZO (México) |
||
LAMB |
Valdimar JÓHANSSON (Islândia) |
1º filme |
|
COMMITMENT HASAN |
Hasan Semih KAPLANOGLU (Turquia) |
||
AFTER YANG |
Kogonada (EUA) |
||
ET IL Y EUT UN MATIN |
Eran KOLIRIN (Israel) |
||
UNCLENCHING THE FISTS |
Kira KOVALENKO (Rússia) |
||
WOMEN DO CRY |
Mina MILEVA (Bulgária) Vesela KAZAKOVA (Bulgária) |
||
REHANA MARYAM NOOR |
Abdullah Mohammad SAAD (Bangladesh) |
||
GREAT FREEDOM |
Sebastian MEISE (Áustria) |
||
LA CIVIL |
Teodora Ana MIHAI (Romênia/Bélgica) |
|
|
GAEY WA'R |
NA Jiazuo (China) |
|
|
THE INNOCENTS |
Eskil VOGT (Noruega) |
||
UN MONDE |
Laura WANDEL (Bélgica) |
|
Fora da competição
DE SON VIVANT |
Emmanuelle BERCOT (França) |
|
EMERGENCY DECLARATION |
HAN Jae-Rim (Coreia do Sul) |
|
THE VELVET UNDERGROUND |
Todd HAYNES (EUA) |
|
BAC NORD |
Cédric JIMENEZ (França) |
|
ALINE |
Valérie LEMERCIER (França) |
|
STILLWATER |
Tom MCCARTHY (EUA) |
Sessão de minuto
ORANGES SANGUINES |
Jean-Christophe MEURISSE (França) |
Estreias de Cannes
SERRE-MOI FORT |
Mathieu AMALRIC (França) |
||
COW |
Andrea ARNOLD (Reino Unido) |
||
CETTE MUSIQUE NE JOUE POUR PERSONNE | Samuel BENCHETRIT (França) | ||
TROMPERIE |
Arnaud DESPLECHIN (França) |
||
JANE PAR CHARLOTTE | Charlotte GAINSBOURG (França) |
|
|
IN FRONT OF YOUR FACE |
HONG Sang-Soo (Coreia do Sul) |
||
MOTHERING SUNDAY |
Eva HUSSON (França) |
||
EVOLUTION |
Kornél MUNDRUCZO (Hungria) |
||
VAL |
Ting POO (EUA) Leo SCOTT (EUA) |
||
JFK REVISITED: THROUGH THE LOOKING GLASS |
Oliver STONE (EUA) |
Sessões especiais
O MARINHEIRO DAS MONTANHAS (LE MARIN DES MONTAGNES) |
Karim AÏNOUZ (Brasil) |
|
CAHIERS NOIRS |
Shlomi ELKABETZ (Israel) |
|
BABI YAR. CONTEXTE |
Sergei LOZNITSA (Ucrânia) |
|
H6 |
Yé Yé (França) |
1º filme |
THE YEAR OF THE EVERLASTING STORM |
Jafar PANAHI (Irã), Anthony CHEN (Singapura), |
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.