'Infiltrado na Klan' desafia antirracismo retórico, diz psicanalista

Ciclo de Cinema e Psicanálise debateu filme de Spike Lee que expõe o preconceito na década de 1970

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Em um trecho de “Infiltrado na Klan”, filme de Spike Lee lançado em 2018, vemos intercaladas cenas que mostram o discurso de ódio de membros da Ku Klux Klan, organização que prega a supremacia dos brancos, e o depoimento de um ativista negro que presenciou atos racistas de extrema violência.

Entre humor e tragédia, o filme expõe a dor de quem é alvo do preconceito e a apatia da população branca, mesmo daqueles que se autodeclaram antirracistas. 

 

“É um filme muito emocional, que faz a gente torcer para um dos lados. Mas, enquanto isso, nos esquecemos dos pequenos episódios racistas do cotidiano”, disse o psicanalista Leopold Nosek durante a edição do mês de junho do Ciclo de Cinema e Psicanálise, na terça-feira (11), no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo.

O evento é realizado mensalmente pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) em parceria com a Folha e com o MIS. 

“No Brasil, a maior parte da população é negra, mas quantos negros estão neste auditório?”, perguntou o psicanalista a uma plateia, lotada, de maioria branca.

“Dizemos que somos profundamente antiracistas, mas a questão é muito mais complexa. Só recentemente nosso país começou a perceber o quanto é racista”, afirmou.

Para Thiago Amparo, professor de políticas de diversidade na FGV Direito SP e colunista da Folha, o filme traz um relato histórico, mas se encaixa muito bem com a realidade atual e mostra isso ao acrescentar cenas reais dos recentes conflitos raciais nos EUA e das manifestações públicas de grupos de supremacistas brancos.

“[Essas cenas] mostram que muitas das bandeiras de direitos civis que a humanidade defendeu no passado, e que pareciam já estar garantidas, estão agora sob assédio e precisam de um novo fôlego para sobreviver”, disse Nosek. 

O desafio para defender essas causas agora, segundo o psicanalista, é a fragmentação dos movimentos sociais. “Temos uma multiplicidade de bandeiras. Cada uma com sua razão de existir, mas não vemos união”, afirmou.

Amparo diz não enxergar da mesma forma a multiplicação desses movimentos na atualidade. Muitos desses grupos defendem ideais comuns, disse ele, o que daria ainda mais força para as reivindicações.

Na história, o policial infiltrado encontra diversas barreiras para dar continuidade à sua investigação. Em alguns momentos, o preconceito é explícito, em outros, é usado o argumento da falta de recursos para travar o trabalho. Para Amparo, o filme acerta em mostrar como esse tipo de racismo, conhecido como racismo institucional, se manifesta. 

Exemplo prático do preconceito institucional no país está em quando a polícia decide usar mais força em uma determinada região com maior número de pessoas negras dizendo que ali há mais crimes, cita Amparo. 

Outro ponto positivo do filme, segundo o professor, é a forma como está representada a população negra. “Ele trata os negros como indivíduos, que têm suas divergências, mas estão todos ligados a uma mesma ancestralidade.”

Segundo o professor, a identidade negra ainda está em construção e há um longo caminho até que ela esteja firmada. “A identidade dessa população tem sido colocada de fora para dentro, o que limita a forma como as pessoas podem se comportar na sociedade”, concluiu.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.