Em um trecho de “Infiltrado na Klan”, filme de Spike Lee lançado em 2018, vemos intercaladas cenas que mostram o discurso de ódio de membros da Ku Klux Klan, organização que prega a supremacia dos brancos, e o depoimento de um ativista negro que presenciou atos racistas de extrema violência.
Entre humor e tragédia, o filme expõe a dor de quem é alvo do preconceito e a apatia da população branca, mesmo daqueles que se autodeclaram antirracistas.
“É um filme muito emocional, que faz a gente torcer para um dos lados. Mas, enquanto isso, nos esquecemos dos pequenos episódios racistas do cotidiano”, disse o psicanalista Leopold Nosek durante a edição do mês de junho do Ciclo de Cinema e Psicanálise, na terça-feira (11), no MIS (Museu da Imagem e do Som), em São Paulo.
O evento é realizado mensalmente pela Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) em parceria com a Folha e com o MIS.
“No Brasil, a maior parte da população é negra, mas quantos negros estão neste auditório?”, perguntou o psicanalista a uma plateia, lotada, de maioria branca.
“Dizemos que somos profundamente antiracistas, mas a questão é muito mais complexa. Só recentemente nosso país começou a perceber o quanto é racista”, afirmou.
Para Thiago Amparo, professor de políticas de diversidade na FGV Direito SP e colunista da Folha, o filme traz um relato histórico, mas se encaixa muito bem com a realidade atual e mostra isso ao acrescentar cenas reais dos recentes conflitos raciais nos EUA e das manifestações públicas de grupos de supremacistas brancos.
“[Essas cenas] mostram que muitas das bandeiras de direitos civis que a humanidade defendeu no passado, e que pareciam já estar garantidas, estão agora sob assédio e precisam de um novo fôlego para sobreviver”, disse Nosek.
O desafio para defender essas causas agora, segundo o psicanalista, é a fragmentação dos movimentos sociais. “Temos uma multiplicidade de bandeiras. Cada uma com sua razão de existir, mas não vemos união”, afirmou.
Amparo diz não enxergar da mesma forma a multiplicação desses movimentos na atualidade. Muitos desses grupos defendem ideais comuns, disse ele, o que daria ainda mais força para as reivindicações.
Na história, o policial infiltrado encontra diversas barreiras para dar continuidade à sua investigação. Em alguns momentos, o preconceito é explícito, em outros, é usado o argumento da falta de recursos para travar o trabalho. Para Amparo, o filme acerta em mostrar como esse tipo de racismo, conhecido como racismo institucional, se manifesta.
Exemplo prático do preconceito institucional no país está em quando a polícia decide usar mais força em uma determinada região com maior número de pessoas negras dizendo que ali há mais crimes, cita Amparo.
Outro ponto positivo do filme, segundo o professor, é a forma como está representada a população negra. “Ele trata os negros como indivíduos, que têm suas divergências, mas estão todos ligados a uma mesma ancestralidade.”
Segundo o professor, a identidade negra ainda está em construção e há um longo caminho até que ela esteja firmada. “A identidade dessa população tem sido colocada de fora para dentro, o que limita a forma como as pessoas podem se comportar na sociedade”, concluiu.
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