Imagens não são inocentes, diz Alfredo Jaar, que participa da Bienal de São Paulo

Artista chileno, que ainda apresenta uma mostra paralela no Sesc Pompeia, busca lado político das fotografias

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São Paulo

Há uma obra oculta na exposição de Alfredo Jaar, paralela à Bienal de São Paulo, em cartaz no Sesc Pompeia. Uma peça que não aparece entre as listadas no catálogo, mas, segundo o próprio, é sua 13ª criação na mostra “Lamento das Imagens”.

“Interessa a pouca gente, mas, para mim, é muito importante minha obra como arquiteto ocupar o espaço de Lina Bo Bardi”, diz o artista formado em arquitetura e que se define, muitas vezes, como um arquiteto que faz arte. “Tomamos uma posição praticamente ideológica em relação ao Sesc Pompeia e queria que minha exposição abraçasse a arquitetura.”

Como parte dessa 13ª obra, ele aponta o diálogo entre o pequeno lago da área de convivência e as instalações que estão ao seu redor —“Caminhando sobre as Águas”, com imagens de um homem atravessando a superfície de um rio, e “Geografia = Guerra”, composta por barris cheios de líquidos e sobre os quais se enxergam fotografias tiradas na Nigéria.

As dez imagens que aparecem refletidas na água foram feitas por Jaar no final da década de 1980, quando o artista visitou a cidade ribeirinha de Koko para confirmar as denúncias de que 10 mil barris com 3.500 toneladas de lixo tóxico haviam sido transportados ilegalmente para o lugar.

Muitas pessoas que estão ali retratadas acabaram morrendo por conta desse contato, incluindo Sunday Nana, o agricultor que cedeu suas terras por um valor irrisório, sem saber que estaria acomodando uma carga venenosa.

“As imagens não são inocentes”, é o que diz o artista chileno, que desde os anos 1990 explora o que chama de “política das imagens”.

Seu primeiro trabalho nesse sentido foi “Searching for Africa in Life”, de 1996, quando, recém-chegado aos Estados Unidos, percebeu “um nível de racismo alucinante”. A obra, que parte dessa observação, reúne 2.225 capas da revista Life, de 1936 a 1996, das quais só cinco abordam o continente africano —são fotografias de animais.

“Aí nasceu meu interesse pela mídia e como ela funciona como um reflexo triste e real da realidade social”, resume Jaar, para quem as imagens se converteram em ferramentas de uma batalha ideológica e têm a capacidade de influenciar como vemos o mundo. Não à toa, uma das peças que integra a exposição traz estampada em pôsteres a frase “você não tira uma fotografia, você faz uma fotografia”.

Sua instalação mais famosa, “The Sound of Silence”, de 2006, inclusive, é dedicada à famosa imagem feita pelo sul-africano Kevin Carter de uma criança subnutrida ao lado de um abutre. No filme silencioso de oito minutos dedicado à fotografia, no entanto, composto de frases brancas cadenciadas sobre um fundo preto, conhecemos não apenas o momento do clique, mas a história de seu fotógrafo, que venceu o Pulitzer em 1994 justamente por esse trabalho, mas se suicidou no mesmo ano. A fotografia propriamente dita, quando aparece, dura o tempo de um flash.

ateliê de artista
Retrato do chileno Alfredo Jaar em seu ateliê que integra o livro 'Espaços de Trabalho de Artistas Latino-Americano' - Fran Parente/Reprodução

Segundo Jaar, todas as imagens —assim como as obras— podem ser interpretadas por lentes diferentes de acordo com o contexto. É por isso que a palavra ocupa um lugar tão essencial em sua trajetória. “Às vezes uso o texto exageradamente e não deixo as imagens falarem por si. Tenho uma tendência um pouco didática porque quero me comunicar com o espectador”, diz o artista.

A obra de arte perfeita, “aquela que informa e comove”, “toca e ilumina”, é a que atinge o equilíbrio perfeito entre informação e poesia. Um resultado que, segundo ele, só conseguiu alcançar em algumas de suas intervenções públicas. Numa delas, ele construiu um museu de papel numa cidade da Suécia que não tinha nenhuma instituição cultural.

O trabalho, que durou só um dia antes de ser incinerado, rendeu um convite ao próprio Jaar para projetar um espaço permanente para aquela comunidade. “Não poderia impor um museu, mas, com a obra, eu crio o desejo. São pequenos êxitos na minha carreira”, conta.

Quando teve acesso a uma pesquisa realizada pelo Sesc e descobriu que só 18% do público que ia ao espaço por outros motivos —para almoçar, ir à biblioteca, ao dentista— acabava visitando as exposições, Jaar também assumiu como um de seus objetivos elevar essa porcentagem.

Para isso, pensou na importância de obras que apresentassem “elementos de atração” e não fossem “puramente intelectuais”. O eterno jogo do artista entre informação e poesia, texto e imagem, esforço e deleite.

“Atraímos com luz, espaços misteriosos, labirínticos. Coisas que são mais fáceis visualmente, mas que contém uma mensagem”, ele afirma. “As obras fazem alguma exigência, mas, uma vez que o espectador passa de superfície, entende o jogo e entra dentro delas, meu esforço é premiado. É fascinante, eu ganho a batalha.”

Lamento das Imagens

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