Tom Jobim inspira artista japonesa a criar engenhoca elétrica com água e som

Instalação de Yuko Mohri, que participa da Bienal, faz improviso com espanadores, acordeão e trajetos aquáticos

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São Paulo

Paira uma espécie de melancolia sobre "Parade - Um Pingo Pingando, Uma Conta, Um Conto", instalação na Japan House São Paulo da japonesa Yuko Mohri, que integra a 34ª Bienal de São Paulo.

E o sentimento não é apenas pela música "Águas de Março", de Tom Jobim, que inspirou a artista na criação da obra por sua "nostalgia do fim do verão", mas também pelo texto assinado por ela para apresentar o trabalho, no qual lamenta o fato de não ter conseguido retornar ao Brasil para montar a peça devido à pandemia.

Em fevereiro do ano passado, quando veio a São Paulo realizar uma visita ao espaço, a artista conta ter se deparado com "uma energia intensa por causa dos preparativos do Carnaval", além de ter se impressionado com o "emaranhado de fios que se estendiam pelos postes".

Eram impressões que, para ela, acostumada a criar sempre em reação ao ambiente onde irá expor, poderiam ser incorporadas na instalação. "Como não pude eu mesma ter recolhido os objetos do dia a dia, tive que recorrer às lembranças para reproduzir a paisagem que me interessou", resume.

Dessa forma, diferentemente do que acontece na maioria dos seus trabalhos, "Parade" representa a primeira vez em que Mohri não realizou uma peça a partir do diálogo com o local. A obra foi criada em seu estúdio em Tóquio por meio da combinação de dois trabalhos preexistentes que funcionam a partir de sistemas programados.

São elas a original "Parade", de 2011, uma máquina com uma placa de prototipagem eletrônica que lê os desenhos de uma toalha estampada, traduzindo os traços em correntes elétricas e provocando movimentos em objetos como espanadores e um acordeão, e "Moré Moré", de 2015, construída a partir de vazamentos de água que, depois, têm seu curso desviado para voltar a circular pelo mesmo trajeto.

"Não fazia ideia do que poderia acontecer ao juntar essas duas instalações e o meu interesse foi esse", afirma Mohri. A conexão com o Brasil, nesse caso, ficou a cargo das memórias da juventude, quando costumava circular por uma rua que vendia discos de música brasileira e conheceu compositores como Jobim.

A artista, que começou sua trajetória com esculturas sonoras e cinéticas, sempre se interessou pela música, ainda que a aborde não por meio de instrumentos propriamente ditos, mas através de sonoridades mais triviais, como o tilintar de taças em um brinde ou o barulho que produz um lápis quando cai.

Sua principal referência, nesse sentido, é o compositor francês Erik Satie, que falava em "música para móveis", um tipo de som que serviria para preencher o ambiente assim como o mobiliário. Um trabalho de Satie, inclusive, foi a inspiração de "Parade".

mulher japonesa de cabelos curtos diante de parede amarela
A artista japonesa Yuko Mohri, que participa da 34ª Bienal de São Paulo e exibe uma instalação na Japan House - Kenshu Shintsubo/Divulgação

A improvisação também é palavra-chave no processo criativo de Mohri e está presente na forma como os circuitos e sistemas criados em suas engenhocas podem se guiar por conta própria, de modo que a atuação da eletricidade ou a força da gravidade se tornem imprevisíveis.

Assim, nesta "Parade" da Japan House, por mais que as reações dos objetos pareçam muito bem programadas, a forma como o sensor capta a imagem das frutas depende da iluminação, o que acaba resultando em movimentos que nem sempre serão os mesmos e variam de acordo com o ambiente. "É uma instalação que se parece com uma composição improvisada", resume.

Pôr toda essa parafernália para funcionar a distância foi um trabalho e tanto. "Antes eu chegava, levava as minhas ferramentas, recolhia o que havia no local e era só sair montando", conta a artista, que precisou fazer uma série de reuniões para definir a instalação, além de registrar não só o funcionamento das obras já prontas como todo o processo de montagem para que a equipe brasileira pudesse reproduzir.

Segundo ela, que gosta de improvisar, foi como se tivesse deixado sua banda de jazz para se habituar à rotina exaustiva de ensaios de uma orquestra.

O mesmo processo se repetiu nas obras que estão na Bienal de São Paulo, para as quais Mohri precisou coordenar tudo por videoconferências. A instalação "I Can't Hear You", por exemplo, é a atualização de uma peça de 2017. Nela, dois alto-falantes criam um corredor sonoro e o público deverá encontrar o momento em que os canais de áudio se sobrepõem e tocam em uníssono.

"Queria ter presenciado como o som iria ecoar. Eu me ressinto muito disso porque realmente achava que poderia visitar o Brasil", diz a artista, que ainda tem a ideia de continuar a trabalhar na instalação que está na Japan House.

"Tive impressões durante a viagem que não consegui expressar em sua totalidade. São inspirações que gostaria de ter colocado na obra", conta. Os objetos que levou na mala –a garrafa plástica com desenhos de frutas, vestígio de um caldo de cana e um vidrinho de própolis—, ela imagina, serão material para futuras obras.

‘Parade – Um Pingo Pingando, uma Conta, um Conto’

  • Quando Ter. a sex., das 10h às 17h. Sáb., dom. e fer., das 9h às 18h. Até 14/11
  • Onde Japan House São Paulo - av.Paulista, 52
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