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Vitória de Bolsonaro em 2018 lança jornalista portuguesa aos mistérios do Brasil

Isabel Lucas decidiu escrever sobre autores e cidades do país após perplexidade com chegada do presidente ao poder

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São Paulo

Da eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018 saiu, quem diria, a decisão de fazer um extenso trabalho jornalístico a respeito da literatura brasileira.

Há cinco anos, a portuguesa Isabel Lucas passou uma temporada nos Estados Unidos para produzir reportagens para o Público, jornal do seu país com o qual ainda colabora. Ela percorreu boa parte do território americano para falar de autores canônicos, de seus principais livros e das regiões onde viveram ou ainda vivem. ​Desse giro de Lucas, surgiu o livro “Viagem ao Sonho Americano”, lançado em 2017.

A jornalista portuguesa Isabel Lucas, autora de "Viagem ao País do Futuro" - Paulo Alexandrino/Divulgação

​A partir daí, a jornalista passou a receber sugestões de pessoas próximas para que fizesse uma versão semelhante sobre o Brasil, país com dimensões continentais como os Estados Unidos.

Resistia à ideia inicialmente porque acreditava conhecer melhor a literatura americana do que a brasileira. Além disso, temia soar presunçosa. “Eu era portuguesa, uma estrangeira, de visita a tentar chegar o mais perto possível da essência de uma nação complexa da qual o meu país tinha sido colonizador. Uma pretensão pouco ajuizada?”, escreveu.

Isabel Lucas estava em um hotel em São Paulo, com amigos brasileiros e portugueses, quando foi anunciada a vitória de Bolsonaro. “Naquele momento, senti que aquela tristeza também era minha, e a incompreensão era ainda maior.”

Foi a perplexidade diante do fato político, revelando faces de um país que ela definitivamente não conhecia, que a empurrou para o desafio de correr o Brasil por meio de seus autores consagrados, da São Paulo de Mário de Andrade e Lygia Fagundes Telles à Salvador de Jorge Amado; do Rio de Janeiro de Machado de Assis à Palmeira dos Índios alagoana de Graciliano Ramos.

Lucas escreveu 12 textos, híbridos de reportagens e ensaios, que põem em diálogo a criação literária e o local que a inspirou. Apesar do impulso inicial, não há política de modo explícito —aparece nas entrelinhas.

Publicados originalmente no jornal literário Pernambuco e, mais uma vez, no Público, esses textos são agora reunidos no livro “Viagem ao País do Futuro”, com belas ilustrações de Karina Freitas.

O primeiro capítulo, “Os Sertões, Crônica dos Dizimados”, é também o ponto de partida da série de viagens feitas pela jornalista. Tem como protagonista Euclides da Cunha, justamente o autor com o qual ela teve uma aproximação mais difícil.

Depois de concluído o livro, Lucas diz ter sido bom começar pelo escritor e jornalista nascido no século 19. “‘Os Sertões’ me deu um repertório fundamental para entender o resto do Brasil —entender até onde foi possível, claro. O interior da Bahia [onde fica Canudos] foi uma excelente porta de entrada”, lembra.

Ela se vale dos comentários de Walnice Nogueira Galvão, professora emérita de literatura da Universidade de São Paulo, para penetrar no universo euclidiano. “Esse livro ['Os Sertões'] não nos deixa esquecer o que aconteceu e continua acontecendo, põe em xeque a ideologia oficial que postula a índole pacífica do povo brasileiro. Como erradicar essa memória desagradável e perturbadora?”, escreveu Nogueira Galvão, lembrada em “Viagem ao País do Futuro”.

Mais adiante, a jornalista fala sobre suas andanças em Manaus ao lado de Milton Hatoum, romancista nascido na capital amazonense e que hoje vive em São Paulo, e mostra como a cidade é representada nos livros dele, como “Relato de um Certo Oriente”, de 1989, e “Dois Irmãos”, de 1990.

Talvez seja esse o capítulo em que explora com mais precisão os contrastes urbanos. Em Manaus, ela escreve, “coabitam a natureza excessiva e o desperdício ultrajante, a ostentação e a miséria e, à volta da rua Frei José dos Inocentes, na zona mais antiga da cidade, há sinais de outra luta: a das prostitutas e evangélicos”.

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O escritor Milton Hatoum no lançamento do livro ''A Noite da Espera'', em 2017 - Mastrangelo Reino/Folhapress

Em Curitiba, onde discute autores como Paulo Leminski, Cristóvão Tezza e, principalmente, Dalton Trevisan, o mote é a permanente estranheza, substantivo que acompanha a capital paranaense da vida real e também a cidade mítica dos contos de Trevisan. Uma cidade “extraBrasil”, como escreve Isabel.

Nesses 12 textos, ela se lança a investigar o escritor e aquilo que o cerca —as pessoas, as casas, as ruas, até o clima, os sabores. Mas evita recorrer a conclusões categóricas. No caso de um país indecifrável, como o Brasil, com uma literatura tão heterogênea, as perguntas que Isabel Lucas deixa suspensas são mais interessantes do que qualquer resposta que ela poderia arriscar.

Viagem ao País do Futuro

  • Preço R$ 55
  • Autor Isabel Lucas
  • Editora Cepe (328 págs.)
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