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'Regresso a Reims', na Mostra de SP, reconta a França pelos operários

Podemos compreender, por analogia, as derivas desse grupo no Brasil para a extrema direita, que abrigou seus desejos

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Regresso a Reims (Fragmentos)

  • Quando Mostra de SP: seg. (1º/11), às 20h50, no Espaço Itaú Frei Caneca e no Mostra Play até qua. (3)
  • Produção França, 2021
  • Direção Jean-Gabriel Périot

O nome, "Regresso a Reims (Fragmentos)", no primeiro momento sugere uma viagem sentimental à cidade, ou mesmo a um lugar dessa cidade, o que vemos logo no início. Essa primeira impressão é reforçada pela narradora, que ali está reencontrando a mãe, de quem esteve afastada, e a quem pede que lhe conte tudo sobre sua vida.

É então que tudo muda no filme. E o que temos é, a rigor, uma história da classe operária francesa dos anos 1930, o que coincide com o nascimento de sua avó, isto é, da mãe da narradora.

cena de filme
Cena do filme 'Regresso a Reims (Fragmentos)', dirigido pelo francês Jean-Gabriel Périot, que faz um mosaico da história política da França desde os anos 1950 por meio de cartas trocadas por famílias operárias - Divulgação

A história prosseguirá até os nossos dias, mais ou menos, e terá momentos mais ou menos felizes. Mas a avó pertence à classe operária e é mãe solteira. Tudo a que pode aspirar é a educar devidamente sua filha.

Essa história chega a nós pela voz da narradora, mas através de fragmentos de filmes do cinema francês —daí o subtítulo original. Há filmes ficcionais e documentários, filmes de propaganda, cenas de televisão –de tudo, em suma.

A colagem pode ser arbitrária, implica escolhas, podemos falar até em distorções et cetera. Mas Jean-Gabriel Périot parece ter uma escolha clara –não apenas mostrar que, mesmo num país desenvolvido, a vida dos pobres —operários, quase sempre— é injusta, mas também descobrir como a esquerda acabou num buraco tomado pela falta de perspectivas.

cena de filme
O diretor francês Jean-Gabriel Périot, que faz um mosaico da história política da França desde os anos 1950 por meio de cartas trocadas por famílias operárias no filme 'Regresso a Reims (Fragmentos)' - Divulgação

Ou, mais ainda, como aquela classe operária, outrora fiel ao Partido Comunista ou mesmo aos socialistas, acabou encontrando na extrema direita uma espécie de abrigo onde, ao menos, sente que tem respeitadas sua identidade e suas tradições.

A análise apresentada diz respeito a um país com todas as suas especificidades, entre elas o fato de ter um passado colonial e, portanto, abrigar um grande contingente de trabalhadores imigrantes, que concorrem com os locais. Locais que, por sinal, o filme assegura que são bastante racistas —uma cena de filme de ficção serve como comprovação.

No entanto, "Regresso a Reims (Fragmentos)" pode servir a quem deseje, por analogia, compreender as derivas da classe operária brasileira. Por que ela pode, por exemplo, estar num momento com a esquerda e anos depois jogar suas esperanças na extrema direita?

Quem nunca encontrou pessoas de esquerda estupefatas com o fato de pobres votarem naqueles que seriam, em princípio, seus inimigos de classe?

Na história francesa, tal como narrada ao longo do filme, existe uma enorme decepção com o governo de esquerda (o governo Mitterrand), durante o qual nada teria mudado, ou seja, o proletariado continuou a sofrer tanto quanto antes. Em vista disso, não poucos passaram a ver na Frente Nacional uma esperança de reconhecimento de seus valores e tradições. Isso é o que líderes da extrema direita oferecem, basicamente.

A história francesa, tal como vista pelo filme, encontra seu último capítulo na revolta dos "coletes amarelos", os famosos "gilets jaunes". Ou seja, chegamos a uma situação em que um grupo muito significativo de pessoas já não acredita na esquerda nem na direita, mas pode votar em uma ou em outra nas próximas eleições.

Mesmo consideradas as diferenças —é incomparável o grande sofrimento da vida operária num pais desenvolvido e a miséria pura e simples que vigora em grande parte de um país como o Brasil—, "Regresso a Reims (Fragmentos)" oferece, tanto por sua narração como, sobretudo, por suas imagens, um panorama mais que interessante da saga de quase um século do proletariado francês e um provocativo material para quem deseje começar a entender as pessoas (pobres, arquipobres, remediadas, sobretudo), seus desejos e necessidades.

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