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Cinema

Christian Petzold dirige com mais calor 'Undine', versão de mito alemão

História explora a coragem de saltar no abismo do amor sem redes de segurança

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Undine

  • Quando Estreia no dia 23 nos cinemas
  • Elenco Paula Beer, Franz Rogowski, Jacob Matschenz
  • Produção Alemanha, França, 2021
  • Direção Christian Petzold

É com um rompimento e uma ameaça que se inicia "Undine", último longa-metragem do cineasta alemão Christian Petzold. Undine Wibeau, papel de Paula Beer, é uma historiadora do governo alemão que é abandonada por seu namorado Johannes, interpretado por Jacob Matschenz. Ele se apaixonou por outra mulher, mas Undine avisa que "se você me abandonar, eu mato você".

Na mitologia germânica, Undine —Ondina, em português—, segundo a formulação de Paracelso no "Livro das Ninfas" e toda uma tradição literária que veio depois, é a ninfa do amor que vive nas águas. Ela adquire forma humana quando se relaciona com outro humano. O filme é inspirado no livro homônimo de 1811 do escritor romântico alemão Friedrich de la Motte Fouqué. Undine deve cumprir a promessa e abraçar seu destino, matar aquele que a traiu e voltar para as águas.

O mito de Ondina é só um ponto de partida, e não é necessário conhecer a história para admirar o belo filme de Petzold. Antes de levar a cabo sua promessa, Undine se apaixona novamente, numa bela cena com um aquário quebrado.

Quem aparece para permitir que ela continue com forma humana é Christoph, vivido por Franz Rogowski, um mergulhador profissional. Ele tem uma aparição meio atabalhoada, mas funciona e dá leveza ao filme. Está refeito, de todo modo, o par romântico do longa anterior de Petzold, "Em Trânsito", lançado em 2018, em que Paula Beer substituía Nina Hoss como sua protagonista ideal.

Petzold pertenceu à escola de Berlim, grupo com jovens cineastas que iniciaram suas carreiras após a queda do muro em 1989 e começaram a despontar entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000. Fazem um cinema estilizado, rigoroso nos enquadramentos, e salvaram o cinema alemão de um hiato criativo iniciado nos anos 1980. Os outros representantes mais celebrados de tal escola são Angela Schanelec, do ótimo "Eu Estava em Casa, Mas...", e Thomas Arslan.

Talvez a cinefilia de hoje valorize mais a escola de Berlim que o novo cinema alemão. Isso se deve, provavelmente, à irregularidade das carreiras de Werner Herzog e Wim Wenders dos anos 1980 em diante, mas também a uma certa internacionalização de suas obras, tendo os dois se tornado diretores do mundo, como Rainer Werner Fassbinder queria ser antes de morrer em 1982. O certo é que Christian Petzold, maior nome da escola de Berlim, parece mais amado nos últimos dez ou 15 anos, com cada novo filme despertando mais entusiasmo que os de Wenders e Herzog.

Isso explica por que "Undine", como anteriormente havia acontecido com "Fênix", de 2014, tenha chegado com tanto alarde no ano passado. A frieza estética dos filmes de Petzold, que envolve cuidado nas composições visuais e movimentos muito estudados da câmera, oferecem ao cinéfilo de hoje uma alternativa interessante às buscas pelo real e às câmeras mais soltas, por vezes soltas demais, de boa parte do cinema contemporâneo.

Mais do que a troca de Nina Hoss por Paula Beer, o que aconteceu após "Fênix" foi a série televisiva "Polizeiruf 110", para a qual Petzold dirigiu três episódios entre 2015 e 2018, experimentando uma narrativa mais fechada e envolvente, permitindo esse recomeço num caminho estético semelhante, mas com algumas mudanças importantes. É possível sentir que Petzold está mais emotivo, menos frio que em seus filmes anteriores. Ele parece também se arriscar mais, como não o fazia desde "Yella", de 2007, ainda sua obra máxima.

"Undine" herda deste último, e do mito anteriormente mencionado, vale lembrar, a forte ligação com a água. Vemos a protagonista por trás do aquário, encontrando uma torneira aberta sem ninguém por perto —a água a chama após o abandono de Johannes, mas é também a água que a une a Christoph, graças ao aquário rompido espetacularmente. Na água, Undine se transforma, na linda citação ao "Intendente Sansho" de Mizoguchi.

Há também, em comum com "Yella", algo mais importante —a coragem de saltar no abismo do amor sem redes de segurança. É assim que Petzold recupera a sua melhor forma.

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