Itamar Assumpção ganha estátua, 6ª em honra a uma personalidade negra em SP

Inaugurada esta semana, ela inicia plano da prefeitura de homenagear mais afro-brasileiros em monumentos

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Peri Pane
São Paulo

De microfone na mão e braços abertos, "nego dito" já recebe abraços emocionados dos fãs no bairro da Penha. Uma estátua de bronze do compositor paulista Itamar Assumpção foi inaugurada nesta quarta (15) na entrada do Centro Cultural da Penha, de frente para o Largo do Rosário, com extensa programação cultural.

"Baby, não se assuste/ Hoje o tempo é de terror/ Nosso céu ainda chora/ Nos telhados da cidade/ E nossa amizade a tudo resiste". Ainda atuais, os versos de "Baby", do compositor, foram interpretadas no show de sua filha Anelis Assumpção. Um dos destaques do evento, a apresentação teve fila dobrando o quarteirão mesmo debaixo de chuva.

"Itamar Assumpção nunca estará morto", disse o compositor Gilberto Gil durante o cerimonial de inauguração da estátua. Ele ressaltou a importância do "compromisso permanente de levar adiante tudo aquilo que foi feito antes de nós, tudo aquilo que nos preparou para estar aqui no presente visando o futuro".

O ex-ministro da Cultura também usou a palavra "artivista" para descrever o trabalho do compositor, que "para além de artista atuou nos campos da vida e da luta política". "Um artista maior, de profundas responsabilidades com seu povo, com sua nação, sua tradição, seus antepassados e com o futuro", afirmou Gil, que é conselheiro do Museu Itamar Assumpção.

Durante o cerimonial, sua filha Anelis Assumpção também falou da importância da criação do Mu.Ita, o primeiro museu de um artista negro no Brasil, que apresenta sua primeira exposição presencial. "Afro Brasileiro Puro" fica em cartaz no Centro Cultural da Penha até 25 de janeiro, com fotos, textos, discos, imagens, vídeos e muitas informações sobre a obra viva de Beleléu.

"Ele sempre rompe as matas sem ferir a floresta, trazendo o novo, o inédito, a esperança, a necessidade de seguir lutando e acreditando nesse país que invisibiliza e marginaliza homens e mulheres pretos", disse Anelis.

Também esteve presente a secretária de Cultura de São Paulo, Aline Torres, primeira mulher negra a ocupar o cargo. "As estátuas e monumentos servem para contar passagens da nossa história. A proposta da Secretaria Municipal de Cultura de construir estátuas de personalidades negras pela cidade é que tenhamos a nossa história contada do nosso ponto de vista", afirmou.

homem e mulher negro sentados em cadeiras sobre palco
A secretária municipal de Cultura, Aline Torres, e o cantor e compositor Gilberto Gil durante evento de inauguração da estátua de Itamar Assumpção no bairro da Penha, em São Paulo - Carlos Ronchi/Divulgação

Atualmente, o acervo de obras públicas da cidade de São Paulo conta com 380 obras de arte e monumentos —a contagem inclui também peças que não estão nas ruas. Até hoje, havia apenas cinco estátuas homenageando personalidades negras.

A inauguração da estátua de Itamar Assumpção faz parte de um projeto que entregará até o ano que vem mais quatro monumentos de representantes da cultura afro-brasileira em São Paulo. Os nomes foram escolhidos depois de uma pesquisa feita pelo Departamento do Patrimônio Histórico, que priorizou pessoas próximas do cotidiano dos paulistanos.

Serão homenageadas com estátuas a escritora Carolina Maria de Jesus, em Parelheiros; o cantor e compositor Geraldo Filme, na Barra Funda; o atleta Adhemar Ferreira da Silva, em Santana; e a sambista e ativista Madrinha Eunice, na praça da Liberdade. "Estamos começando com cinco, mas vamos espalhar nossa história pela cidade inteira", afirmou Aline Torres.

Com 1,80 metro de altura, a estátua de Itamar Assumpção foi feita em bronze pelo artista plástico mineiro Leandro Junior, de 37 anos. "Primeiro a obra foi construída em argila no Vale do Jequitinhonha, na região onde moro. Tenho um trabalho voltado para questões quilombolas e essa obra veio para coroar. A família dele participou diretamente comigo na escolha do óculos, do anel, da roupa, do sapato."

O cerimonial de inauguração começou às 11h com uma missa afro na igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha. Erguida em 1802 pela Irmandade dos Homens Pretos, o lugar é um ícone da resistência da cultura afro-brasileira em São Paulo.

Durante a missa, um dos inconfundíveis óculos de Itamar Assumpção entrou na passagem de "ofertório", pelas mãos de sua filha Anelis e foi posto no altar. Um estandarte também foi dado à família do compositor, enquanto era cantado "Batuque", de sua autoria: "Houve um tempo em que a Terra gemia/ E um povo tremia de tanto apanhar/ Tanta chibata no lombo que muitos morriam/ No mesmo lugar."

"Estou muito orgulhosa das pessoas do meu bairro", disse Zena, companheira de Itamar até o final da vida, que mora há 43 anos na mesma casa na Penha. "Faz 19 anos que ele se foi, e está tão presente, tão perto e tão longe. E continua tão atual, tão novo", disse, emocionada.

Antes do show de Anelis Assumpção, um dos integrantes do cordão carnavalesco Micaela contou um caso: "Certa vez numa noite 'Sampa Midnight', Itamar pegou o microfone e disse: 'Quer me ouvir? Vai lá na Penha. Venha!'".

Quem foi até o Centro Cultural da Penha nesta quarta, foi para se molhar e saiu de alma lavada. Ouviu os tambores da missa afro e as vozes das Pastoras do Rosário. Ouviu o baque grave do bloco Cordão Carnavalesco Dona Micaela e o trovão durante a fala de Gilberto Gil. Viu seus lindos e talentosos netos, Rubi, 19, Bento, 16, e Benedito, 10, dançando muito no canto do palco, enquanto Anelis Assumpção e Rincon Sapiência cantavam o refrão "Meu nome é Benedito João do Santos Silva Beleléu", ao estilo samba rock de Branca de Neve. Viu Xangô dançando imponente no encerramento feito pelo bloco Ilú Obá de Min.

Sujeito a chuvas e trovoadas, agora Itamar Assumpção está sempre a postos no bairro da Penha, com os olhos voltados para o Largo do Rosário e os braços prontos para um grande abraço.

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