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Em Berlim, Ulrich Seidl leva cantor decadente e michê para fãs no inverno italiano

Já a francesa Ursula Meier apostou em filme leve sobre clã musical, que parece inferior a suas obras anteriores

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Berlim

Outrora frequentador assíduo de festivais, o austríaco Ulrich Seidl andou meio sumido dos tapetes vermelhos. Voltou nesta sexta, na disputa pelo Urso de Ouro com seu novo longa, "Rimini", em que retorna aos vários elementos estéticos e temáticos que marcaram sua controversa carreira.

A cidade italiana que empresta o nome ao longa costuma ser muito associada ao seu filho mais famoso, Federico Fellini, mas o universo do mestre do cinema nada tem a ver com o que Seidl propõe em sua nova empreitada.

Rimini, com suas praias de longas faixas de areia, é um dos pontos mais disputados por turistas no verão da Itália, mas, no inverno, a região fica às moscas. Nas ruas, a não ser os imigrantes de países africanos, que abundam na cidade, há apenas grupos de idosos oriundos de países europeus mais ricos, que tentam se divertir —e garantem a circulação de dinheiro por ali— com as poucas atrações que o balneário tem a oferecer no frio.

cena de filme
Michael Thomas em cena do filme 'Rimini', dirigido por Ulrich Seidl e exibido no Festival de Berlim 2022 - Divulgação

São eles o público-alvo de Richie Bravo, cantor decadente que deixa a Áustria natal sempre que possível para ganhar a vida alegrando a rotina desses velhotes com canções cafonas e românticas.

É um beberrão contumaz e, provavelmente, já teve um aspecto mais fotogênico no passado, mas tem ainda suas admiradoras —complementa o parco dinheiro que fatura como cantor com uns trocados que recebe por relações sexuais com algumas de suas fãs maduras.

Seidl diz que a ideia de filmar em Rimini veio de sua infância, quando ia ao balneário nas férias. A cidade, ele diz, significa uma maneira de escapar de uma vida desagradável em outro lugar.

"[O filme] É sobre a busca por felicidade e a tentativa de deixar o passado para trás. Mas ele sempre retorna, e essa é a verdade amarga ou libertadora que os personagens finalmente precisam encarar", diz Seidl, em nota à imprensa de Berlim. "É sobre o desejo por amar, pelo encontro sexual, e sobre a solidão que continua em cada um."

O grande problema dos filmes de Seidl, sobretudo a chamada trilogia "Paraíso", reaparece aqui, em sua plenitude. Nunca fica muito claro o que exatamente o cineasta pensa daquilo que está filmando: sua visão da decadência, da vulgaridade, é a de um humanista, que compreende as limitações de seus personagens e se compadece de sua situação? Ou ele os desnuda de maneira predatória e escarnecedora, antes rindo das pessoas que apresenta do que tentando entendê-las ou redimi-las?

O humanismo de Seidl está muito próximo do sensacionalismo, e mais uma vez fica difícil entender até que ponto o cineasta pende para um lado ou para outro. Seu filme, no entanto, é inegavelmente vigoroso —teve admiradores no boca a boca berlinense. Ainda assim, permanece aquela sensação de que ele, ao mesmo tempo em que ama a humanidade, talvez a deteste ainda com mais força.

Ainda mais desiludida com a espécie humana —ao menos a que vive no México— parece ser a cineasta boliviano-mexicana Natalia López Gallardo, que estreou em Berlim com o longa "Robe of Gems". A trama se passa em uma região rural do país, onde o tráfico surge como uma promessa para a melhoria de vida para jovens de origem humilde —um dos personagens principais é uma policial que vê o próprio filho se meter com traficantes.

Apesar de sua severidade com o rapaz, ela perde o controle sobre o destino do jovem. O filme mostra igualmente uma família rica que acaba também se envolvendo com aquele mundo —a ideia, segundo a diretora, é apresentar "um universo em que todos os personagens contribuem, como vítimas ou algozes, para o ciclo de perversidade, mesmo sem se dar conta disso".

De fato, o filme mostra com certa clareza que toda a sociedade está implicada nessa situação. Mas o estilo da cineasta é por demais oblíquo —muitas vezes, ela complica excessivamente a forma em nome de um resultado mais "artístico", e isso torna alguns trechos incompreensíveis em termos de trama. É uma cineasta talentosa, mas, ao que parece, seria bom domar um pouco os impulsos estetizantes em filmes futuros.

A cineasta Ursula Meier que participa do Festival de Berlim em 2022 com o filme 'La Ligne' - Hannibal Hanschke/Reuters

Por outro lado, a cineasta francesa Ursula Meier trouxe à Berlinale um filme bem mais leve —talvez até demais—, focado nas relações familiares de um clã musical. A diretora começou a carreira com dois filmes de excepcional talento e originalidade: "Home", de 2008, era um veículo para a francesa exercitar sua admiração pelo absurdo, talvez até surrealismo, enquanto "Minha Irmã", de 2012, a fez seguir uma trilha bem distinta, naturalista aos moldes dos irmãos Dardenne, ao contar a rotina de um ladrãozinho em uma estação de esqui.

Em seu novo filme, "La Ligne", ela infelizmente parece ter perdido um pouco o pulso. A história de uma jovem que agride a própria mãe e fica legalmente impedida de se aproximar da casa dela nunca chega a decolar, embora haja momentos divertidos, com uma boa performance de Valeria Bruni Tedeschi.

Mas o filme não desenvolve a contento as questões envolvendo as personagens principais —não entendemos sequer os motivos pelos quais a filha chegou às vias de fato com a mãe. Não chega a ser uma decepção completa, mas certamente não está à altura da capacidade de Meier.

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