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Oscar deve consagrar 'Drive My Car', afirma o premiado diretor de 'Parasita'

Com reverência mútua, Bong Joon-ho e Ryusuke Hamaguchi comentam o inesperado reconhecimento pela Academia

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Kyle Buchanan
Nova York | The New York Times

​Em janeiro de 2020, semanas antes de seu filme "Parasita" fazer história no Oscar, o diretor Bong Joon-ho estava em Tóquio sendo entrevistado por uma revista. Num processo de divulgação do filme que já se alongara muito, Bong já tinha sido entrevistado para dezenas de perfis, mas este, pelo menos, tinha algo surpreendente —o entrevistador era Ryusuke Hamaguchi, ele próprio um cineasta em ascensão.

Para Bong, fã dos filmes de Hamaguchi "Asako 1 & 2" e "Happy Hour", era uma oportunidade bem-vinda de saciar um pouco de sua própria curiosidade. "Eu tinha muitas perguntas que queria fazer a ele", Bong recorda, "mesmo porque eu já vinha fazendo a divulgação do meu filme havia meses e estava farto de falar dele".

À esq., o cineasta sul-coreano Bong Joon-ho conversa com o diretor japonês Ryusuke Hamaguchi em um evento no 26º Festival Internacional de Cinema de Busan - Jung Yeon-je - 7.out.2021/AFP

Mas Hamaguchi não se deixou deter. Ele era um homem com uma missão —"agradavelmente obstinado e persistente", conforme Bong se recorda—, e cada vez que Bong, em tom de brincadeira, tentava inverter os papéis e fazer algumas perguntas ao diretor mais jovem sobre a carreira dele, Hamaguchi ficava ainda mais sério e fazia questão que falassem unicamente de "Parasita".

"Mesmo sabendo que ele já estava cansado de falar de ‘Parasita’, eu queria realmente saber como ele fez um filme tão incrível", contou Hamaguchi. "Senti pena dele, mas queria fazer perguntas mesmo assim!"

Agora, dois anos mais tarde, Bong finalmente pôde realizar seu desejo –Hamaguchi, de 43 anos, é o homem do momento, e Bong está mais que disposto a vir ao telefone para falar dele. "Drive My Car", de Hamaguchi, drama japonês de três horas de duração sobre pesar e arte, virou a aposta de Oscar mais improvável desta temporada, indicado para melhor filme e filme internacional, além de roteiro adaptado e direção.

Cena do filme "Drive My Car", do cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi
Cena do filme 'Drive My Car', do cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi - Divulgação

São por acaso as mesmas coisas pelas quais "Parasita" foi premiado dois anos atrás, quando o thriller sul-coreano sobre luta de classes levou quatro estatuetas do Oscar para casa e se tornou o primeiro filme não falado em inglês a ganhar na categoria de melhor filme.

"‘Parasita’ abriu uma porta muito pesada que até então estivera fechada", me disse Hamaguchi nesta semana, falando com a ajuda de um intérprete. "Sem ‘Parasita’ e suas vitórias, duvido que nosso filme teria sido tão bem recebido."

Descrito pela crítica do The New York Times Manohla Dargis como "uma obra-prima discreta", "Drive My Car" acompanha Yusuke —papel de Hidetoshi Nishijima—, diretor de teatro ainda sob o efeito da morte de sua mulher, enquanto monta uma produção de "Tio Vânia" em Hiroshima.

A companhia teatral contrata uma motorista para ele, Misaki —vivida por Toko Miura—, que o leva e traz do trabalho num Saab vermelho enquanto contém suas vastas reservas emocionais próprias. Inicialmente, Yusuke se ressente da presença de Misaki, mas uma conexão acaba surgindo entre eles, e então uma confissão.

"Existem muitos diretores exímios em retratar personagens, mas há algo de peculiar e único em Hamaguchi", disse Bong, por meio de um intérprete, falando ao telefone de Seul. "Ele é muito intenso na abordagem dos personagens, muito concentrado, e nunca apressa as coisas."

E, embora essa abordagem não apressada possa resultar em um filme longo, Bong pensa que as três horas de duração de "Drive My Car" apenas enriquecem o impacto emocional do filme. "Eu diria que é como o som de um sino que ecoa por muito tempo", ele disse.

A trajetória de "Drive My Car" na temporada de premiações também vem se intensificando lentamente. Diferentemente de "Parasita", lançado do Festival de Cannes como um projétil depois de conquistar a Palma de Ouro, o intimista "Drive My Car" —adaptado de um conto de Haruki Murakami— emergiu de Cannes no verão passado com um troféu por seu roteiro e poucas especulações sobre possíveis prêmios no Oscar. Mas seu perfil entrou em ascensão constante depois de associações de críticos de Nova York e Los Angeles darem seu prêmio de melhor filme a Hamaguchi.

Mesmo assim, a estrada que conduz ao Oscar está cheia de trabalhos favoritos da crítica que não conseguiram chegar até o destino. Quando perguntei a Hamaguchi por que "Drive My Car" abriu as portas da Academia para ele, o diretor não soube responder.

"Honestamente, não sei", disse Hamaguchi. "Quero perguntar isso a você. Por que você acha que aconteceu?"

Sugeri que durante a pandemia, nos afeta ainda mais ver personagens que anseiam por criar uma conexão com outros, mas não conseguem. Mesmo quando os personagens de "Drive My Car" compartilham a mesma cama, o mesmo quarto ou o mesmo Saab, há um abismo entre eles que nem sempre pode ser atravessado.

Hamaguchi concordou. "Estamos fisicamente separados, mas conseguimos nos conectar online", ele disse. "É essa coisa de estarmos ligados e ao mesmo tempo não estarmos."

Para ilustrar o que queria dizer, Hamaguchi contou que dez anos atrás, quando estava fazendo um documentário sobre as consequências do terremoto e tsunami em Fukushima, ele viajou pelo leste do Japão entrevistando sobreviventes do desastre. Quando entregou uma câmera a essas pessoas e ofereceu a elas sua confiança, pensamentos que estavam profundamente soterrados começaram a jorrar delas.

"Depois das entrevistas, eu transcrevi as palavras. Percebi que as que realmente mexeram comigo foram as palavras muito normais ou ordinárias", ele comentou. "Eram coisas que essas pessoas talvez já tivessem pensado, mas que nunca haviam cogitado em verbalizar até aquele momento."

A mesma coisa ocorre com os personagens de "Drive My Car", cujas lutas internas só chegam ao nível de uma epifania quando eles encontram alguém a quem podem fazer confidências.

"É possível que quando os personagens dizem o que estão pensando, o público pense ‘será que eles realmente não tinham consciência disso?’. Mas a questão aqui é a trajetória que a pessoa faz para conseguir verbalizar isso. Para essa trajetória acontecer, é preciso haver alguém presente para testemunhar", disse Hamaguchi. "A presença de alguém para ouvir tem importância tremenda."

E o próprio Hamaguchi bem que gostaria de ter alguém com quem conversar, mesmo que seja apenas para o ajudar a processar todas essas indicações ao Oscar. Quando falei com ele na semana passada, ele estava fazendo quarentena num hotel de Tóquio depois de retornar do Festival de Cinema de Berlim. "Não pude encontrar ninguém, de modo nada de comemorações", ele disse.

O cineasta japonês Ryusuke Hamaguchi no Festival de Cinema de Berlim de 2022 - John MacDougall - 16.fev.2022/AFP

Quando as indicações ao Oscar foram anunciadas, em 8 de fevereiro, Hamaguchi estava no avião a caminho de Berlim. Quando o avião pousou, horas mais tarde, ele ligou o celular e recebeu uma enxurrada de mensagens. Mesmo agora, quando conta a história, o diretor continua incrédulo.

"Para ser franco, acho que tudo isso não vai parecer real para mim enquanto eu não estiver fisicamente na entrega dos prêmios", ele disse. "Por mais pessoas que me deem os parabéns, é difícil acreditar, especialmente quando estou confinado num quartinho de hotel. Talvez quando eu estiver na cerimônia do Oscar e ver diretores como Spielberg ali, consiga sentir que é para valer."

Bong não se espantou igualmente com as indicações dadas a Hamaguchi. "Eu sabia que ‘Drive My Car’ é um grande filme e não achei surpreendente", afirmou. "E, como a Academia recentemente tem mostrando mais interesse por filmes não falados em inglês, prevejo que o filme vai se sair bem."

Sua própria cerimônia do Oscar foi uma experiência que foi como um turbilhão rápido —"não acredito que já se passaram dois anos", refletiu Bong—, mas ele não quis oferecer conselhos a Hamaguchi sobre como fazer na noite das premiações.

O cineasta sul-coreno Bong Joon-ho segura os Oscar de melhor filme e melhor diretor pelo filme 'Parasita' - Lucas Jackson - 9.fev.2020/Reuters

"Tenho certeza que ele se sairá bem", disse Bong. "Ele é como uma pedra milenar —tem um centro muito forte."

Em vez disso, Bong fez um pedido. Quando os dois se encontraram pela primeira vez, em Tóquio, e novamente no ano passado durante um debate no Festival de Cinema de Busan, na Coreia do Sul, não houve muito tempo para trocar ideias. "Por isso espero que este ano a gente possa se encontrar, ou em Seul ou em Tóquio, e fazer uma refeição deliciosa", disse Bong. E, depois do Oscar, não faltará assunto a eles.

Hamaguchi aceitou o convite na hora. "Fico realmente feliz de ouvir isso", disse, mas avisou que Bong talvez não goste do assunto do qual vão falar. "Eu adoraria continuar a fazer perguntas sobre como ele cria filmes tão incríveis. Quero continuar perguntando até ele não aguentar mais."

Tradução de Clara Allain

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