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Cinema

'Tre Piani' de Nanni Moretti é bom folhetim que evita o dramalhão

Costurando histórias de famílias que moram em um mesmo condomínio, diretor italiano reflete sobre o envelhecimento

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Tre Piani

  • Quando Estreia nesta quinta (7)
  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Riccardo Scamarcio, Margherita Buy, Alba Rohrwacher
  • Produção Itália/França, 2021
  • Direção Nanni Moretti

Nanni Moretti concorria em Cannes com "Tre Piani", na mesma edição, a de 2021, em que o filme vencedor foi "Titane", de Julia Ducournau. Moretti então declarou, em uma rede social, que tinha subitamente envelhecido. Claro que foi entendido como despeito, afinal, o filme vencedor tem mais apelo com o público jovem. Mas ele estava, na verdade, remetendo ao próprio tema de seu belo filme: o envelhecimento, as superações e o choque com gerações mais jovens.

Um jovem arrogante e irresponsável dirige embriagado e atropela uma mulher, que morre. Seu pai, um juiz, recusa-se a usar de sua influência para garantir uma pena menor para o filho. A reação do jovem é empurrar o pai para o chão e chutar-lhe o abdome repetidas vezes. A última vez que havíamos visto tamanha crueldade com pessoas mais velhas no cinema italiano foi possivelmente em "Parente É Serpente", de 1992, um dos grandes filmes de Mário Monicelli.

cena de filme
Pôster do filme 'Tre Piani', dirigido por Nanni Moretti - Divulgação

Mas o experiente diretor de "Caro Diário" enfrenta aqui uma terrível armadilha —fazer com que esse cruzamento das histórias de três famílias residentes num mesmo condomínio encontre uma regularidade de interesses para que não haja um desequilíbrio muito grande entre uma história e outra.

Temos, em primeiro lugar, o jovem atropelador Andrea, filho de Dora, aliás, Margherita Buy, e do influente juiz Vittorio Bardi que, por ser interpretado pelo próprio Nanni Moretti, torna-se uma espécie de reserva moral do filme, uma instância superior e incorruptível que paira acima dos outros. O que não o impede de ser agredido fisicamente pelo próprio filho.

Temos ainda o casal vivido por Riccardo Scamarcio e Elena Lietti, respectivamente, Lucio e Sara. Ele deixa a filha de sete anos aos cuidados de um vizinho idoso. Quando ambos desaparecem, Lucio os reencontra num parque, em condições estranhas. Apesar dos conselhos de Sara e das investigações policiais que mostram que nada aconteceu, a suspeita fez morada em sua mente.

Por fim, Alba Rohrwacher interpreta Monica, moça que estava a caminho do hospital para dar à luz quando ocorreu o atropelamento. Sua filha, a pequena Beatrice, torna-se sua única companhia enquanto o marido está distante, sempre a trabalho. Monica tem uma mãe internada numa casa de repouso e sofre do medo constante de ter herdado os problemas mentais dela.

Essas três famílias formam o núcleo deste folhetim habilmente orquestrado por Moretti. Outros personagens aparecem, como Renato, o idoso suspeito vivido por Paolo Graziosi, ou sua neta Charlotte, papel de Denise Tantucci. Há ainda o cunhado de Monica, um vigarista simpático, e o benfeitor Luigi, que ajuda Dora a reencontrar seu filho após cinco anos.

Baseado em livro do israelense Eshkol Nevo, "Tre Piani" pode muito bem ser tomado por um dramalhão, daqueles que manipulam o espectador até o induzir às lágrimas. Alguns momentos podem até nos levar a essa direção, como os casais dançando na rua, por exemplo.

Mas há uma diferença grande entre fazer chantagem emocional e trabalhar com o drama humano em todas as suas possibilidades. Nanni Moretti trabalha claramente na segunda vertente, em linha similar à de seu sublime "O Quarto do Filho", de 2001, mas com um estilhaçamento de histórias que representa a armadilha mencionada anteriormente. Há ainda uma diferença marcante —enquanto no filme de 2001 o filho morre, em "Tre Piani", o filho mata.

O modo que Moretti encontrou para contornar a armadilha das múltiplas histórias foi um domínio do tempo e do tom. Tempo dos cortes, sempre cuidadosos para que não haja exploração sentimental nem exposição desnecessária do sofrimento dos personagens.

Cuidado no tom, essa qualidade que só cineastas experientes podem apresentar. É graças a uma precisão de tom que Margheritta Buy nos encanta mesmo quando sua personagem nos parece tola. É, sem dúvida, a mais simpática da trama, além das crianças.

Moretti pode comentar o choque de gerações e mostrar como é duro o envelhecimento. Mas mostra também que os melhores jovens são aqueles que gostam de aprender com os mais velhos. E são esses que, quando mais velhos, saberão aprender com os jovens.

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