O teatro foi um dos segmentos artísticos que mais sentiu os efeitos do isolamento provocado pela Covid-19. Em Nova York, cerca de 41 teatros ficaram fechados por 19 meses. A Broadway apagou as luzes das marquises e os espetáculos precisaram ser encenados digitalmente pela plataforma Zoom, além de transformados em vídeos, jogos interativos ou em episódios de podcasts.
Até mesmo "Hamilton", o musical mais disputado e premiado da última década, ganhou versão para streaming. Mas, com a diminuição de casos de Covid, há cerca de um ano as luzes dos palcos voltaram a brilhar. Porém, para se manter relevante, as atualizações desenvolvidas na pandemia precisaram refletir nas produções em cartaz.
Criticada por ser uma indústria elitista e excludente, a Broadway retornou mais acessível e passou a promover novas vozes e histórias para o público. O esforço coletivo de produtores, atores e dramaturgos será reconhecido na cerimônia de 75 anos do Tony Awards, marcada para este domingo.
Além de ser a maior premiação do teatro mundial, a edição deste ano se destaca pela diversidade e ineditismo nas nomeações. No Brasil, a transmissão da cerimônia será feita pelo canal por assinatura Film & Arts, a partir das 21h.
L Morgan Lee faz história como a primeira pessoa transgênero a ser indicada ao prêmio de atriz. Ela concorre com veteranas como Patti Lupone, indicada por "Company" e duas vezes ganhadora do Tony —por "Evita", em 1986, e "Gipsy", em 2008. Lee concorre pelo musical "Strange Loop".
"Pessoas trans sempre existiram, então é difícil pensar que a gente nunca esteve presente nesses lugares. Testar a representatividade é possível e necessário", defende Lua Lamberti, pesquisadora e primeira professora travesti de artes cênicas na Universidade Estadual de Maringá, no Paraná. No musical, Lee se desdobra em diversos papéis —conselheira, médica e até como fantasma de Whitney Houston.
O musical pelo qual Lee é indicada é dos maiores representantes da nova repaginada da Broadway. "Strange Loop" é a campeã de indicações ao Tony. Além de concorrer a 11 categorias, recebeu o Pulitzer em 2020. E chega à Broadway como um "grande musical americano queer e negro". "Strange Loop" é um dos primeiros musicais a apresentar um elenco inteiramente negro e LGBTQIA+.
Além das decisões inclusivas de produção e elenco, o musical inova ao apresentar uma história original sobre um jovem gay negro chamado Usher que trabalha como lanterninha em um teatro e está tentando escrever um musical chamado "Strange Loop" sobre um gay negro tentando escrever um musical.
A trajetória é composta por um coral grego que ocupa o lugar dos pensamentos sabotadores do autor. Em uníssono, eles insistem que Usher se venda e escreva uma peça popular e acessível sobre a identidade negra americana.
A indecisão do protagonista se traduz em números que passam por gospel e hip-hop. Os números lidam com as questões de violência, exclusão e pertencimento que corpos negros e queer encaram diariamente na América do Black Lives Matter. O musical é inspirado levemente na vida do dramaturgo, que também trabalhou como lanterninha em musicais da Broadway.
Dessa forma, a grande batalha desse Tony Awards fica entre o dramaturgo Michael R. Jackson e o outro Michael Jackson. "MJ", musical baseado na vida do rei do pop, foi indicado a dez categorias. Porém, não passa de mais um musical estilo jukebox com músicas conhecidas do público.
Entre os indicados também se destaca a releitura de "Company", musical escrito por Stephen Sondheim que ganhou fôlego após a morte do autor no fim do ano passado. Esta temporada ilustra que o poder de grandes estrelas não é suficiente para trazer o público de volta. O espectador espera mais do que revisões de sucessos passados, como "Mrs. Doubtifire" ou "Diana, The Musical".
Ambos receberam apenas uma indicação e tiveram baixo retorno nas bilheterias. Fazer a arte da presença acontecer neste ano requer uma maior simbiose entre atores e audiência. Não basta sonhar com mundos novos, é preciso construir juntos esses mundos. Assim como diz a personagem de L Morgan Lee em "Strange Loop", "é preciso contar a sua história com verdade e sem medo".
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.