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Cinema

Filme sobre Maria Bethânia se perde ao sublinhar a sua grandeza

'Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu', quando destaca fãs e famosos, esquece a nobreza das palavras ditas pela cantora

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Maria — Ninguém Sabe Quem Sou Eu

  • Quando Estreia nesta quinta (1º) nos cinemas
  • Direção Carlos Jardim

Maria Bethânia conta que Fauzi Arap gostava de a ouvir falando —pensando nisso ele desenvolveu a concepção de espetáculo que se tornou marca da cantora, costurando canções e textos declamados. A declaração da artista sobre o diretor aparece no documentário "Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu", de Carlos Jardim, que chega aos cinemas nesta quinta-feira.

A sensibilidade de Arap, sabemos, apontava na direção certa. Não à toa, o filme de Jardim sustenta seu sentido exatamente na força da fala de Bethânia. Uma força que se impõe a despeito de certo conservadorismo de linguagem do documentário, de uma rigidez formal que, em alguns momentos, lembra um extra de DVD.

Cena do documentário 'Maria — Ninguém Sabe Quem Sou Eu', sobre a cantora Maria Bethânia
Cena do documentário 'Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu', sobre a cantora Maria Bethânia - Divulgação

A estrutura do filme é bastante simples. Uma longa entrevista com Bethânia serve de fio condutor do roteiro, entremeada por cenas de arquivo da cantora, em imagens raras de shows e ensaios que fatalmente farão brilhar os olhos de seu fã-clube.

Em certos momentos, ouvimos a voz de Fernanda Montenegro —em off, sobre fotografias feitas por fãs —declamando textos sobre Bethânia escritos por Fauzi Arap, Ferreira Gullar, Nelson Motta, Reynaldo Jardim e Caio Fernando Abreu. A reverência das palavras e a solenidade natural presente no timbre e na entonação da atriz destoam da maneira direta com que a cantora, na conversa, afirma seu olhar sobre a vida, sobre seu ofício, sobre o Brasil.

As tentativas de sublinhar a grandeza de Bethânia, seja pelo olhar dos fãs anônimos (nas fotos) ou famosos (nos textos), acaba tendo, portanto, o efeito oposto, ao desviar o foco da grandeza que ela revela, de forma sutil, na escolha das palavras, do ritmo que emprega ao usar esses termos, dos sorrisos e pausas e expressões sérias que pontuam seu discurso. A grandeza da fala de Bethânia, enfim, como notou Fauzi Arap.

Como quando diz, nos primeiros minutos do filme, "tem acontecimentos em mim que não decifro". "Posso adivinhar, mas decifrar é mais raro." Ela se refere, por exemplo, ao instante que separa a Bethânia comum daquela que se mostra no palco. "Não é uma entidade que recebo, uma mágica. É um acontecimento humano."

É o mesmo olhar agudo sobre si mesma que aplica ao falar do sucesso. "Nem para cima, nem para baixo. Eu sei exatamente o meu tamanho. Não é o sucesso quem vai me dizer." Ou ao comentar sua dificuldade com diretores que tentam conduzir seus movimentos. "Não gosto que me mandem. ‘Faz assim com a perna, joga a cabeça assim.’ Faço exatamente o contrário. Não vai. Nem que eu queira."

A preferência pelo microfone com fio (que compara, com humor, a um chicote) reverbera, minutos depois, na imagem de arquivo na qual Bethânia abandona um ensaio indignada após uma microfonia. Na cena seguinte, corte para o presente, ela comenta com desconforto o suposto temor que desperta nas pessoas. "Não tem que ter medo nenhum de chegar perto de mim. Sou uma pessoa educada, civilizada."

Sua conhecida e autodeclarada exigência, consigo mesma e com quem trabalha com ela, também é assunto. "Eu preciso de gente inteligente, sensível, que compreenda essa minha, entre aspas, altivez de escolhas e maneiras. E que isso seja uma coisa banal, como beber um copo d’água. Que é banal, mas salva."

Ao contrário dos textos declamados, que acabam por guardar uma distância da Bethânia "real", as cenas de ensaios (em diferentes épocas, sozinha ou com parceiros de palco como Chico Buarque e Caetano Veloso) trazem um caráter de intimidade.

Nelas, como na entrevista que guia o filme, vislumbramos um tanto da verdade da personagem que o filme busca iluminar —reconhecendo, já no título extraído de um verso da canção do compositor baiano Batatinha, a incapacidade de esgotar a artista.

"Maria - Ninguém Sabe Quem Sou Eu" se junta assim, portanto, a outros filmes que se lançaram, com mais calor, à mesma missão, como "Música É Perfume", de Georges Gachot, e "Fevereiros", de Marcio Debellian.

Os últimos minutos do filme ilustram sua grande fraqueza —a ausência de amarras originais ou contundentes. A indefinição narrativa conduz a uma sequência vacilante de possíveis (e falsos) finais. Não há, portanto, nas escolhas do documentário, o voo reto do carcará ou a nobreza da abelha rainha —apesar de estar ali, intacta, a fala, aquela que encantou Fauzi Arap.

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