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'Monstros', de Barry Windsor-Smith, é um graphic novel primoroso

Gibi que demorou 35 anos para ser feito carrega no contexto social e remete ao imaginário dos super-heróis

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Monstros

  • Preço R$ 149,90 (368 págs.)
  • Autor Barry Windsor-Smith
  • Editora Todavia
  • Tradução Érico Assis

Os fãs de Barry Windsor-Smith esperaram um bocado para ler "Monstros". Foram 35 anos de paciência. Esse artista britânico levou o tempo que quis, entre um trabalho e outro. Só no ano passado é que a HQ saiu nos Estados Unidos. Mas logo ficou claro por que ele não tinha pressa.

O volume, que chega agora ao Brasil pela editora Todavia, transpira esmero tanto no texto quanto nos desenhos —uma conjunção de talentos que nem todo quadrinista contemporâneo tem. Dessa forma, não foi uma grande surpresa quando "Monstros" venceu o Eisner, o Oscar das HQs, em três categorias diferentes —melhor álbum gráfico inédito, melhor roteirista ou artista e melhor letrista.

Página de 'Monstros', HQ de Barry Windsor-Smith publicada no Brasil pela editora Todavia - Reprodução

O lendário Windsor-Smith, de 73 anos, vem do mundo das revistinhas de super-heróis. Nos anos 1980, trabalhou para a Marvel. Seu último grande trabalho ali foi "Arma X", de 1991, sobre os experimentos que transformaram o mutante Wolverine, dos X-Men, em uma máquina mortífera.

Mas Windsor-Smith é conhecido por suas desavenças com as HQs de massa. Foi se dedicando a trabalhos autorais, com longos intervalos entre cada um. Fazia 16 anos que ele não publicava nada.

"Monstros" é uma ideia que ele teve nos anos 1980 para um gibi do Hulk. A HQ conta a história de um experimento nazista feito nos Estados Unidos para criar um super-soldado. Os panos de fundo são a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Vietnã. O experimento degringola e deforma o jovem Bobby, dando a ele uma força descomunal.

Como uma câmara de eco, a HQ repete —e talvez aprimore— alguns dos temas caros aos gibis de super-heróis. A ideia de construir um super-soldado lembra o Capitão América. A crueldade dos cientistas e o sofrimento da vítima de seus experimentos são temas centrais nos gibis do Wolverine. A deformação do corpo humano é um dos traços do Coisa e do Hulk.

Um dos sinais do gênio de Windsor-Smith é como ele frustra a expectativa dos leitores. Bobby pode até ter um aspecto monstruoso, mas ele não é o monstro do título. As feras são, na verdade, os outros. E são muitas, a começar pelo cientista nazista e pelo pai abusivo do rapaz.

Mas mesmo a monstruosidade do pai de Bobby aparece em camadas no gibi. As nuances são provavelmente um resultado das décadas que Windsor-Smith passou pensando na trama. O progenitor é também uma vítima, afinal. Seu caráter resulta da experiência na guerra, em circunstâncias que não estavam sob o seu controle. Não que isso o exima, mas ajuda a explicar o personagem.

"Monstros" é uma história social, no sentido de que o autor lida com a maneira como indivíduos vivem as grandes transformações estruturais de suas sociedades. Quando chega à última página, o leitor conhece melhor os Estados Unidos da metade do século 20, marcado pelo racismo, pela desigualdade de classes e também por ideais inatingíveis de felicidade familiar.

Dito tudo isso, "Monstros" é também um triunfo estético. As cenas são tão trabalhadas que dá para acreditar mesmo que Windsor-Smith passou anos e anos em cada quadrinho. O artista sombreia cada detalhe com um tipo de hachura diferente, criando texturas complexas. O cabelo dos personagens, o pelo eriçado nos seus braços, tudo vai ganhando vida com o nanquim.

É também nas ilustrações que Windsor-Smith acena a seu passado no mundo dos gibis de super-heróis. Em diversos trechos, é possível ver revistinhas nas mãos dos personagens ou largadas em algum lugar da casa —são HQs do Batman, do Superman, do Capitão América e de outros clássicos do gênero.

Talvez o único porém do livro seja a quantidade de texto, que às vezes cansa os olhos. Há trechos narrados por diários com letra de mão, a ser decifrada pelo leitor. Fica aquela vontade de virar a página logo, de ver a trama avançar.

Mas esses trechos mais pesados passam rápido, e a estafa é curada pelas ilustrações que vêm na sequência e pela sensibilidade do artista. O chato mesmo vai ser esperar outros 35 anos pelo próximo grande trabalho de Windsor-Smith.

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