Nova SP-Arte mira a sede dos milionários em edição que olha para o Brasil

Com obras de até R$ 10 milhões, feira tenta se diferenciar das demais, abarcando a diversidade regional do país

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São Paulo

Longe da volatilidade do mercado de capitais, os colecionadores são só sorrisos. Eles encontram na arte um investimento seguro em tempos de crise política. Ao que indica o número de feiras, todo o otimismo que falta a outros setores da economia se materializou em quadros, esculturas e instalações. Segundo o site americano ArtNet, serão 70 feiras em todo o mundo até o fim deste ano, o que retrata a crença de um 2022 auspicioso para os galeristas.

De acordo com um estudo da empresa britânica ArtTactic, 47% dos especialistas do setor acreditam no crescimento das vendas até o fim do ano. Nesse contexto, a SP-Foto, feira dedicada à fotografia, se tornou uma segunda edição anual da SP-Arte, abrangendo outras linguagens artísticas. Para o evento, que abre nesta quarta-feira (24) na Arca, espaço de 9 mil metros quadrados na Vila Leopoldina, a organização escolheu o eixo temático "Rotas Brasileiras".

"Mamanguá - Recife", Luiz Zerbini, 2011
"Mamanguá - Recife", Luiz Zerbini, 2011 - Divulgação

Com isso, a SP-Arte garimpa a produção contemporânea que se organiza fora do eixo Rio de Janeiro–São Paulo, abarcando artistas periféricos, indígenas e projetos do norte do país, como o Arte Pará e os Bancos Indígenas do Xingu, feitos pelas etnias Kamayuará, Mehinaku e Waujá. Além disso, Eder Chiodetto organiza a mostra fotográfica "Uma Concertação da Amazônica", que retrata a região por diversos olhares.

Em seu conceito, "Rotas Brasileiras" imprime um tom político à feira, sugerindo certo apreço curatorial aos galeristas. Engajados pelo tema, eles esperam engajar também os colecionadores ––a comprar.

A Gomide & Co, por exemplo, vende um Luiz Zerbini por R$ 6 milhões. "Mamanguá do Recife", de 2011, é uma obra monumental, de 293 x 417 cm. Thiago Gomide, dono da galeria, concorda, porém, que o excesso de feiras no calendário não é proporcional ao crescimento das vendas. Só no primeiro semestre São Paulo recebeu três desses eventos ––a própria SP-Arte, ArtSampa e ArPa.

"Quando havia apenas uma edição, se criava uma expectativa maior, às vezes você vendia muito bem, às vezes você se frustrava", ele diz. "Já fui em algumas edições e não vendi nada, me ferrei."

É sempre assim, imprevisível, e a angústia é comum a todos os galeristas. Mas Gomide se entusiasmou com o tema proposto, tanto que procurou contemplar artistas de todo o país. Seu estande trará em destaque obras do pernambucano Francisco Brennand e dos mineiros Alberto da Veiga Guignard e Maria Lira Marques.

Já Paulo Kuczynski, da galeria que leva o seu nome, resolveu desfilar sua artilharia pesada. Ele intitula seu espaço de "Geometria Sensível na Arte Brasileira" e, sem tempo a perder, enfileira trabalhos de Mira Schendel, Lygia Clark, Sérgio Camargo, Wyllis de Castro e Alfredo Volpi.

Nesse retorno aos anos 1960, ele destaca em seu estande duas esculturas. Ali está o "Saveiro", de Amilcar de Castro, boiando em aço inoxidável. O material é cortado em três semicircunferências, de tamanhos distintos. Uma lâmina circular liga as três faces––uma partindo para a diagonal, a outra no horizonte e a terceira sobreposta às demais, pendendo do centro, como se, minguante, estivesse em queda.

Não se sabe, portanto, aonde aponta a proa daquele saveiro, estimado em R$ 400 mil. Seu cálculo geométrico é consoante à leveza da cor ––prata–– e da forma ––limpa. Ao lado, está uma escultura sem título de Franz Weissmann, de 1958. Nela, tanto mais importa o que não é construído. O ferro pintado em preto indica movimento e desenha um percurso, em que se insinuam ao menos um quadrado e um círculo.

Mas, na peça, avaliada em R$ 500 mil, toda forma acabada é falsa. Weissmann alicerça sua obra no vazio, que se torna dramático com o ferro que se retorce em ângulos irregulares. O galerista aposta, afinal, no público que já percebe a atemporalidade do neoconcretismo e na crescente demanda por obras do período.

A poderosa Luisa Strina promove num diálogo entre gerações de artistas. As telas da carioca Panmela Castro encontram as obras de Marepe, artista do Recôncavo Baiano. Para ele, a ideia de ready-made deve ser chamada de "nécessaire", porque no Brasil os materiais proveem a sobrevivência da população. Assim, radiadores de automóveis ou travessas de alumínio servem de matéria-prima para suas assemblages.

No mesmo espaço, as pinturas de Castro constituem a série "Vigília", criada durante a quarentena. Ela convidou alguns amigos ao ateliê, onde pintou seus retratos. De acordo com a curadora Kiki Mazzucchelli, Castro faz um inventário da nova geração de artistas, muitos deles seus colegas, documentados nas telas. A curadora diz que os valores das obras estão entre R$ 15 mil e R$ 200 mil.

A Almeida & Dale, que tem um estande dedicado só para fotografia, está empenhada em olhar para o interior do país. "A nossa ideia não é estar em todos os estados, mas ter braços nesses lugares, onde há muita gente para consumir arte", explica o galerista Antonio Almeida.

Se a coleção ganha o interior do país com exposições itinerantes, a proposta curatorial do estande justapõe a figuração do amazonense Hélio Melo, que retratou a fauna e flora brasileira, ao construtivismo de Sérgio Camargo. Os artistas não poderiam ser mais diferentes, o que não impediu uma amizade entre os dois. Da obra de Melo, Camargo extraiu o esmero no trabalho com a luz e os volumes. Os trabalhos de Camargo flutuam entre R$ 1,5 milhão até R$ 5 milhões. Já os de Melo, ficam entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão.

Fundada em junho pelos sócios Conrado Mesquita, Tomas Toledo e Antonia Bergamin, a galeria Galatea estreia na SP-Arte, trazendo a diversidade que a caracteriza. A Galatea alia a mistura de artistas de diferentes estilos e períodos a um tratamento conceitual em suas exposições. Para a SP-Arte, eles preparam uma provocação à tradição geométrica brasileira, comparando Jaider Esbell a Joaquim Tenreiro, aproximando manufaturas indígenas e arte concreta. No estande da galeria, os preços vão de R$ 5 mil a R$ 10 milhões de reais.

Por fim, a italiana Continua, presente em oito cidades ao redor do mundo, desembarcou em 2020, em São Paulo, tentando aprofundar os laços com o país de alguns dos artistas que já representava.

"Estar aqui é importante, porque não adianta pegar um artista de determinada nacionalidade e jogar a obra dele em outro país", destaca Akio Aoki, diretor de operação da Continua no Brasil. "Muitas vezes a obra do artista pode não ser compreendida. Esse é o papel de uma galeria local."

Para a SP-Arte, a Continua prepara um solo de Ana Maria Tavares, com a instalação "Pandanus", de 2013. Nela, cabos de espuma de polietileno expandido são cobertos por palha de bananeira, retorcida num trabalho de artesanato. A depender da quantidade de esculturas, os valores devem ficar entre R$ 127 mil e R$ 255 mil. "Arte contemporânea é assim, precisa de bula. Caso contrário, seria arte popular. Mas na obra da Ana Maria tem um detalhe importante ––é bonita, o que ajuda a pagar as contas", ele diz, rindo.

Na ausência de bula ––ou grana–– ainda é possível admirar as obras. Olhar não tira pedaço.

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