A pandemia do coronavírus, a crise nas políticas doméstica e internacional, a guerra na Ucrânia, as questões que rondam as pautas identitárias e os 90 anos do cartunista mineiro Ziraldo entram em discussão na 49ª edição do Salão Internacional de Humor de Piracicaba, que começa neste sábado (27) na cidade do interior paulista.
Criado há quase meio século com a adesão de nomes como Laerte Coutinho, Angeli, Glauco e Millôr Fernandes, o salão celebra em 2022 o trabalho de Sÿnnove Hilkner, artista finlandesa radicada em São Paulo, do paulista Luiz Gustavo Paffaro e da chargista francesa Anne Derenne.
Embora diga que o evento é "sem religião, partido político ou time de futebol", o organizador e diretor Junior Kadeshi diz que não priva os artistas de fazerem manifestações. "A mensagem do evento é a liberdade. Liberdade expressa nos traços, cores e críticas. Aqui, os artistas do mundo todo encontram um lugar para dizer o que sentem e pensam com seus lápis, pincéis, mouses e tablets", diz.
"Existem alguns critérios básicos para a seleção das obras, como qualidade de criação e produção, mensagem relevante e, é claro, humor. Para serem selecionados, os trabalhos precisam ter essas qualidades, mas também precisam ser engraçados e, no momento da seleção, quando o trabalho é apresentado e arranca gargalhadas do júri, isso conta pontos."
Entre as obras selecionadas estão as do chargista paulista Danilo Scarpa e do cubano Yoemnis Del Toro, com críticas explícitas à condução da pandemia e à disseminação de fake news durante o governo Bolsonaro.
"Não barramos nada, porque o humor é essa ferramenta crítica na política contemporânea. Ano após ano, um recorte da história do mundo é apresentado no salão, e a cada edição recebemos trabalhos de mais de 50 países, refletindo a realidade de nações a que nem temos tanto acesso e que encontram aqui um canal para se expressar, pedir ajuda e denunciar", afirma Kadeshi.
Além da mostra expositiva, com trabalhos de artistas locais e de figuras internacionais, o Salão de Piracicaba exibe ainda 90 charges marcantes da trajetória de Ziraldo, que chega aos 90 anos de idade no dia 24 de outubro. Por fim, o evento traz ao Brasil a mostra "Línguas e Mundo", exibida em 2019 em Portugal. O projeto faz parte da parceria estabelecida entre a produção do evento paulista e o Festival PortoCartoon, promovido pelo lusitano Museu Nacional da Imprensa.
O evento já deu o pontapé inicial nos tributos que celebram seu meio século de existência. Um dos projetos é a recriação do clássico logo idealizado pelo cartunista mineiro Zélio Alves Pinto no início da década de 1950. O projeto "50 Anos 50 Mãos" traz nomes como Laerte, Miguel Paiva, Camilo Riani, Baptistão, Fausto Longo, Erasmo Spadotto, Eduardo Grosso, Paffaro, entre outros.
Antes, contudo, o salão celebra as duas décadas de existência do Salãozinho do Humor, mostra paralela em que são exibidas as obras de artistas entre sete e 14 anos de idade, que estejam matriculados nas redes pública e privada de escolas da região.
"Estamos cumprindo nosso papel de despertar nas crianças o senso crítico, muito além do artístico. Crianças que participaram e ganharam o Salãozinho há 20 anos hoje não são só artistas gráficos, são engenheiros, pilotos de avião... A arte estimula muitas áreas da vida da criança e as torna adultos melhores", acredita.
Na visão de Kadeshi, as crianças estão cada vez mais atentas a assuntos considerados do "mundo adulto", e devem ter um papel de destaque na próxima edição, que deve contar também com um museu interativo para que o público tenha acesso a todo o acervo do salão.
"Queremos montar uma exposição grandiosa, diferente de tudo o que já fizemos, que seja uma retrospectiva desse meio século de realização, porque, lá atrás, criaram despretensiosamente um evento que se tornou internacional, e hoje é um dos maiores e mais antigos do mundo. É uma responsabilidade carregar esse legado, mas seguimos", finaliza.
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