Descrição de chapéu
Moda Rainha Elizabeth 2ª

Elizabeth 2ª criou estilo próprio e usou a moda para governar os súditos

Conhecida por seus trajes combinados, em tons fortes e vibrantes, ela transmitiu tradição e estabilidade em suas roupas

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Carolina Casarin

Numa trajetória de vida feita por incontáveis ocasiões oficiais, a rainha Elizabeth 2ª nunca deixou de lado os códigos de vestir, sejam as rígidas normas tradicionais, seja o estilo próprio que foi criando.

Sendo ela talvez a mulher mais fotografada da história, Elizabeth consagrou looks combinados, cores blocadas, broches de pedras preciosas, colares de pérolas, bolsas e sapatos coordenados, saltos grossos e quadrados.

A rainha Elizabeth 2ª retratada pelo artista plástico Andy Warhol
A rainha Elizabeth 2ª retratada pelo artista plástico Andy Warhol - Reprodução

Dentre os aspectos cênicos que acompanham a aparência de figuras que desempenham cargos de poder, Elizabeth soube usar traços históricos e tradicionais dos modos de vestir da realeza britânica mesmo com desvios da ordem.

Ela ficou conhecida por seus trajes combinados, muitas vezes em tons fortes e vibrantes —vestidos, chapéus, guarda-chuvas, todos da mesma cor. Cabe destacar que o gosto por cores sólidas também revela a necessidade de a rainha estar sempre visível e ser uma figura rapidamente identificável, para a população ou para seus seguranças.

Quando se casou com o príncipe Philip em 1947, na abadia de Westminster, usou um traje de noiva do estilista inglês Norman Hartnell. Foi um vestido de cetim bordado que seguiu um estilo romântico, com decote em coração, saia rodada, cauda e véu longuíssimos. Na coroação, em 1953, repetiu um design de Hartnell, um vestido espetacular, magnificamente bordado, visto por milhões de pessoas pela televisão ao redor de todo o planeta.

Essas datas da vida da Elizabeth coincidem com momentos importantes da história da moda ocidental. Em 1947, logo após a Segunda Guerra, Christian Dior lançou em Paris sua coleção de primavera, com seu famoso "New Look".

O novo estilo criado por Dior —que, na verdade, pouco tinha de novo, já que fazia referência à cintura apertada e aos volumes das saias dos vestidos do século 19— impulsionou a indústria têxtil e os fabricantes dos muitos acessórios que compunham os looks. Chapéus, luvas, bolsas, sapatos. Acessórios, aliás, fielmente adotados pela rainha.

Já 1952 foi o ano que marcou o término do chamado Esquema Utilitário de Vestuário, resultado da política de restrições materiais ocasionada pela guerra. A chegada de Elizabeth ao trono coincidiu com um momento de maior liberação na criação e investimento na moda inglesa.

O estilo da realeza, no entanto, não privilegiou uma moda de ostentação ou modos de vestir faustosos. Ao contrário. Apesar de ter sido vestida por tradicionais estilistas britânicos, como Hartnell e Hardy Amies, Elizabeth adotou os trajes oficiais que, em alguma medida, se mantiveram distantes da moda de cada época.

A partir do início dos anos 2000, a rainha teve uma pequena equipe para criar seu guarda-roupa, liderada por Angela Kelly, sua figurinista pessoal. No livro "The Other Side of the Coin: The Queen, the Dresser and the Wardrobe", Kelly revelou alguns segredos e curiosidades. Elizabeth, por exemplo, não amaciava os próprios sapatos. Era Kelly quem usava primeiramente os calçados da rainha.

Outro fato curioso é que a aparência da rainha se tornou motivo de aposta na corrida de cavalos Royal Ascot. Elizabeth comparecia anualmente, e os participantes faziam apostas sobre a cor do chapéu que usaria. A propósito, sua paixão por cavalos também fez parte de seu estilo, em traços que denotam simplicidade, praticidade e até certo utilitarismo, elementos que fazem referência à vida campestre e expressam uma atitude tipicamente inglesa.

Elizabeth não foi exatamente uma rainha da moda, mas a construção individual de um modo de vestir colaborou para a mensagem de tradição e estabilidade que a monarquia deveria transmitir. Como disse Anna Wintour, editora da Vogue americana, ao longo de 70 anos de vida pública ela construiu uma "identidade visual poderosa" que a tornou "a pessoa mais imediatamente identificável do planeta".

Seu icônico estilo uniformizado "sugere continuidade e tradição". De fato, a aparência de Elizabeth transmite certa imutabilidade, como se seu estilo absolutamente particular tivesse sido impermeável à passagem do tempo.

É interessante pensar também que a uniformização transmite prestígio e segurança. Ao contrário do que poderíamos esperar de uma monarca da alta estirpe da aristocracia europeia, com trajes de gala luxuosos e excessivamente ornamentados, a rainha pautou seu estilo em formas de distinção mais sutis e ligadas aos códigos culturais da tradição da realeza inglesa. Prova disso é o traje com que foi fotografada em uma de suas últimas aparições públicas, poucos dias antes de morrer.

A rainha Elizabeth 2ª antes de receber a nova primeira-ministra Liz Truss - Jane Barlow/Reuters

Seu último compromisso oficial foi a posse da primeira-ministra Liz Truss, em que se manteve fiel ao seu estilo. Nem a bolsa quadrada de couro foi abandonada. A saia xadrez em tons de cinza, preto e vermelho fez referência ao local onde ocorreu a cerimônia, a Escócia. A moda do xadrez na roupa de luxo feminina foi iniciada justamente por causa dos romances de Walter Scott, na primeira metade do século 19. E a rainha Vitória, monarca que também tinha predileção pelo castelo de Balmoral, incentivou o uso dessa estampa pelas mulheres.

O último traje de Elizabeth, de uma harmonia de cores bastante sóbria e tradicional, parece ter seguido seu protocolo de mensagens codificadas. É como se, ao optar por cores frias e tons de cinza esmaecidos, ela tivesse querido transmitir o prenúncio de uma vida que calmamente se apagava. A vida de uma rainha que até o fim se manteve perenemente dona de seu lugar.

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