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Entenda como a briga de Godard e Truffaut ditou os rumos da nouvelle vague

Amigos por duas décadas, os principais diretores do cinema francês trocaram acusações em carta de 1973

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São Paulo

Companheiros de primeira hora, o rompimento de Jean-Luc Godard, morto aos 91 anos nesta terça-feira (13), e François Truffaut ditou os rumos da nouvelle vague. Em linhas gerais, Godard afirmava a necessidade de fazer um cinema político, enquanto Truffaut se notabilizaria pelo lirismo de seus filmes.

Após 20 anos de amizade, o rompimento entre os diretores se deu em 1973, um dia depois de Godard assistir ao filme "A Noite Americana", de Truffaut. Numa carta, o diretor de "Acossado", de 1960, denunciava a natureza apolítica da obra que acabara de ser lançada.

Jean-Luc Godard em 2010. - AFP

"Você diz que os filmes são como os grandes trens da noite, mas quem pega esse trem, de que classe social essas pessoas pertencem, quem o conduz? Se você não fala do Trans-Europa, pode ser o trem da periferia ou de Dachau-Munique", escreveu Godard.

"A Noite Americana" conta a história de uma filmagem, sua lenta produção e os vários obstáculos que um diretor enfrenta até o lançamento de um filme. A paixão de Truffaut pelo cinema se torna evidente, mas o caso de amor entre Julie, interpretada por Jacqueline Bisset, e Alphonse, vivido por Jean-Pierre Léaud, irritou Godard. Para ele, a produção de "Je Vous Présente Pamela", ali retratada, era uma farsa.

"Possivelmente, ninguém te chamará de mentiroso, mas eu o chamo", registrou Godard. "Essa é uma crítica contra a falta de crítica presente em filmes de Chabrol, Ferreri, Verneuil, Delannoy, Renoir etc, é disso que eu me queixo."

Na época, os dois diretores já eram conhecidos em todo o mundo. Primeiro, eles assinaram críticas para a revista "Cahiers du Cinéma", responsável por dar corpo ao pensamento da nouvelle vague. Depois, com o prestígio de suas obras, saíram às ruas, em 1968, para demonstrar apoio a Henri Langlois, fundador da Cinemateca, a quem o ministro da Cultura, André Malraux, tentou exonerar.

Furioso, Truffaut respondeu às acusações de Godard, numa longa carta, que pôs fim à parceria. "Seu comportamento é de um merda num pedestal", ele escreveu. "Eu não estou nem aí para o que você pensa de 'A Noite Americana', acho tudo lamentável de sua parte. Você mudou de vida, de pensamento e, mesmo assim, você continua a perder horas no cinema, perturbando os seus olhos. Por quê? Para achar o que alimentar seu desprezo por todos nós? Para reforçar suas novas certezas?".

Desde então, cada um seguiu o próprio caminho. Sob o aspecto político, Godard só se radicalizaria, aderindo até mesmo ao maoísmo. Sempre provocativo, ele passou a chamar Truffaut de "pequeno burguês."

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