É comum não gostar de Jean-Luc Godard, morto nesta terça-feira, aos 91 anos, numa primeira visão. Cansei de mostrar seus filmes em sala de aula e sempre ouvia a mesma pergunta. "Por que ele seria moderno? O que tem de novo aí?" Ou o pior julgamento possível. "Não entendi, logo, não gostei." Como se uma obra precisasse de bula para ser entendida. Completa desconexão com a possibilidade poética do cinema.
Esse entendimento é parecido com aquele de que o cinema deve contar uma história, com bons atores e boas atrizes. Aí os alunos vão procurar história nos filmes do Godard e invariavelmente quebram a cara.
Quem preferir ver "Acossado" pensando na história vê um filme besta, com um protagonista desagradável, infantilizado e tolo. Talvez só "Viver a Vida" e "O Desprezo" se salvem sob esse ponto de vista.
Mas cinema é outra coisa. Não a história, mas o que se faz com ela. Por vezes, e isso acontece com frequência em Godard, a história não passa de um fiapo ou um arremedo de diversas outras histórias. A maneira de contar é que faz a diferença.
A arte cinematográfica se manifesta assim, por seus procedimentos únicos —decupagem, mise-en-scène, montagem. Mesmo que herdados de outras artes, eles se fazem únicos pela maneira como aparecem no cinema, pela limitação necessária da lente da câmera. Godard entendeu isso como poucos.
Havia também alunos que ficavam maravilhados, obviamente, e que logo elegiam Godard como cineasta de cabeceira. Mas a regra é a demora na aceitação de algo tão moderno, tido como essencial. Para esses, a maioria, são necessárias duas coisas que estão fora de moda —paciência e revisões.
É compreensível que alunos não entendam ou demorem para entender Godard. O aprendizado leva a equívocos, e todos os cometemos aos montes. Na verdade, todos somos eternamente alunos, sempre aprendendo coisas novas. Godard é justamente um dos cineastas que nos obrigam a aprender certas coisas, e aprender a apreender essas coisas. Por isso se fala em "pedagogia godardiana".
Que críticos ou cinéfilos mais rodados o rejeitem como um arauto da chatice no cinema me parece de uma miopia lamentável.
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