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Filmes mostra de cinema

'Moonage Daydream' idolatra David Bowie e deve ser visto em Imax

Filme de Brett Morgen apresenta imagens e performances inéditas do cantor sem acenar para não convertidos

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Paulo Santos Lima

MOONAGE DAYDREAM

  • Quando Em cartaz nos cinemas a partir desta quinta (15)
  • Produção EUA, Alemanha, 2022
  • Direção Brett Morgen

Não foi o único, mas David Bowie é o artista que mais investiu na sua performance. Trocando os termos, Bowie teve uma extrema autoconsciência de seu estar em cena —e estar no mundo.

cena de documentário
David Bowie em cena do documentário 'Moonage Daydream', dirigido por Brett Morgen - Divulgação

Não foi apenas um músico, instrumentista e cantor, mas um mestre de palco, espécie de mago experiente nas artes da mímica, do teatro minimalista e da oratória. Um messias, como dito em texto neste jornal e por quem possui sensibilidade para perceber qual Bowie aparece em "Moonage Daydream".

O filme de Brett Morgen aposta numa trama de imagens extremamente imersiva, tonificada pela tecnologia das telas e sons à altura do Olimpo. Uma sala Imax, assim, é quase uma obrigação com o filme, ainda que um cinema mais modesto possa criar uma relação mais intimista entre Bowie e quem o vê.

Vê e idolatra, pois o longa tem a extrema elevação de falar mais detidamente aos órfãos deste que é um dos grandes artistas da história do mundo e não necessariamente acenar aos não convertidos —o que é incomum, senão impensável, na lógica da indústria de entretenimento.

Em princípio, "Moonage Daydream" não diferiria de outros documentários que fazem uso de depoimentos e materiais de arquivo. A diferença está na natureza do material e na forma. O material traz muita coisa já conhecida, como shows e cenas de filmes, e conta em sua maior parte com um conteúdo inédito "in natura", vindo do acervo guardado pela família.

Na prática, entrevistas, shows, making of e cenas vistas em VHS décadas atrás, vídeos do YouTube ou extras de DVD ganham uma especial vida, inclusive remetendo a um Bowie conhecido pela primeira vez nas décadas de 1970 ou 1980 —os anos em que certamente rolou o primeiro encontro do artista com a maior parte de seus fãs.

Memoráveis, sobretudo, são as andanças de Bowie pelo Oriente, em trechos que se espalham ao longo do documentário. Ou Bowie sendo entrevistado em talk shows, o que não deixa de ser uma rara oportunidade de estudo da atuação desse grande performer. Nesse campo, de quebra, finalmente podemos ver mais detalhadamente a milimétrica atuação de Bowie na montagem teatral de "O Homem Elefante", na Broadway.

Esse Bowie ator, sem dúvida, é quem estrutura o filme. Sua oratória sobre a existência é a de uma trajetória muito bem delineada, numa espécie de ascese que constrói uma filosofia de vida. Em parte, claro, pela montagem, que certamente organiza um cosmos onde Bowie orbita —não à toa, há muitas imagens de luas, planetas e referências alusivas e sonoras a Major Tom, "Space Oddity" etc.

Mas porque, no fundo, Bowie sempre foi muito concreto em suas afirmações, e estará claro que, na maturidade dos 30 e tantos anos, ele repensa a possibilidade de aceitar o amanhã, não mais viver nas trocas entre coisa e outra.

Em suma, a trajetória intimista de Bowie, nada atípica, é contada por meio de uma experiência visual extremamente ativa. A fase em que Bowie, em Los Angeles, em 1975, afundou na cocaína, na paranoia e seu personagem Thin White Duke acenava forte ao fascismo é "comentada" no filme. Não diretamente, mas através de "O Homem que Caiu na Terra", ficção científica de Nicolas Roeg em que Bowie faz um alienígena desolado, alcoólatra e desiludido. Esse tipo de operação alusiva, que puxa algo externo de conhecimento do espectador para o filme, é a maior riqueza de "Moonage Daydream".

Esse procedimento se radicaliza no campo da carreira artística de Bowie. Se a fase Ziggy Stardust, a trilogia de Berlim e a guinada em que diz assumir seu talento para entreter em "Let’s Dance" são presenças mais fortes, os anos 1990 terão uma breve menção ao ano de 1995 do disco "Outside" com "Hallo Spaceboy" ou "Earthling" através das imagens de Bowie com cabelos espetados em cor ruiva e o paletó estampado com a bandeira britânica. Algo dos anos 2000 aparece em performances, assim como seus últimos registros, a ver o derradeiro "Blackstar".

De certo modo, "Moonage Daydream" torna cada fragmento de registro, canto, imagem e voz de David Bowie algo extremamente vivo, atuante, interativo. A experiência por demais adensada dessas megassalas de cinema significa que Bowie se tornou onipresente, relativo a tudo que é da vida no mundo.

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