Descrição de chapéu The New York Times

De Picasso a Max Ernst, joias de artistas são cobiçadas por colecionadores milionários

Adereços transcendem status de objetos decorativos e vão a leilões como pinturas e esculturas

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RUTH LA FERLA
Nova York | The New York Times

De relance, parece um monumento, um edifício de madeira e latão. Mais de perto, percebemos estar diante de um pingente esculpido de apenas 11,4 centímetros de altura, uma das pequenas e potentes joias que a artista Louise Nevelson criou para amigos, ou usava como talismãs.

É uma das peças que estão em destaque em "Art as Jewelry as Art", uma combinação de evento e leilão digital na casa de leilões Sotheby's, em Manhattan, em Nova York. É o primeiro evento dedicado a joias criadas por artistas na empresa e mostra peças de cerca de 65 artistas dos séculos 20 e 21, obras caracterizadas pela Sotheby's como vestíveis e eminentemente colecionáveis.

Colar 'Barre de Métal' de Louise Bourgeois, concebido em 1948 e peça produzida em 2001
Colar 'Barre de Métal' de Louise Bourgeois, concebido em 1948 e peça produzida em 2001 - Jordan Doner/Sotheby's

Na exposição recém-encerrada, havia pequenas peças de Pablo Picasso, Max Ernst, Salvador Dalí, Man Ray e Alexander Calder. Elas demonstram que, quando o assunto é o talento de um artista, nem sempre é o tamanho que conta.

"É fácil fazer algo imenso, mas produzir algo forte e pequeno é difícil", disse Tiffany Dubin, especialista em joias artísticas da Sotheby's, que organizou o evento. Ela está ansiosa por estabelecer essa categoria, que fica na intersecção entre a joalheria fina e a pintura ou escultura em pequenas dimensões, do trabalho de cada artista.

Joias criadas por artistas têm um prestígio sedutor, diz Mari-Claudia Jiménez, diretora administrativa da Sotheby's. "Nas ocasiões em que apresentamos joias criadas por artistas como parte de outros leilões, elas se saíram bem."

Uma gargantilha de prata criada por Calder, cujo valor havia sido estimado entre US$ 400 mil e US$ 600 mil, foi vendida por US$ 2 milhões na Sotheby's em 2013, e detém o recorde para um item de joalheria vendido em leilão.

Antes um segmento de mercado cujo foco eram objetos raros ou singulares feitos de materiais preciosos, as joias artísticas transcenderam nos últimos anos o status de objetos decorativos. "Para nossos clientes", diz Jiménez, "arte vestível é a nova fronteira em termos de coleções".

"Muitas coleções estão indo para museus", disse Cynthia Amneus, curadora de moda, artes e produtos têxteis do Museu de Arte de Cincinnati, nos Estados Unidos, que expôs joias criadas por artistas em 2021. "As joias tendem a ser coloridas e extravagantes, mas as pessoas as estão usando e exibindo sua riqueza".

Mas as peças funcionam como investimento? Depende. Susan Cummins, fundadora do Art Jewelry Forum, uma organização sem fins lucrativos, faz uma distinção entre joias de artistas, assinadas por nomes badalados, e joias de arte, criadas por artesãos menos conhecidos, que podem nem usar materiais preciosos para dar valor aos produtos.

"Em termos de leilões, não há um grande mercado para joias de arte, e há mercado para joias de artistas", disse Cummins. A probabilidade de que joias de artistas detenham valor de mercado é mais alta.

A Sotheby's é uma empresa que chegou tardiamente ao segmento, precedida pela rival Christie's --cujo leilão "Art as Jewelry", de 2015, trazia peças de Calder, Man Ray, Georges Braque, Carmen Herrera e Claude Lalanne.

A Bonham's Los Angeles organizou no ano passado o evento "Wearable Art: Jewels from The Crawford Collection", uma venda de joias criadas por cerca de 30 mestres. O lote mais procurado, um pingente de Picasso chamado "Grand Faune", atingiu um preço de US$ 62,8 mil.

A Sotheby's se posicionou como uma empresa de varejo no final dos anos 1990, quando a venerável casa de leilões apontou Dubin, então diretora de seu departamento de moda, para organizar um leilão de adereços"vintage". Ela atraiu o interesse ao pôr à venda calças Pucci da década de 1960, saca-rolhas ornamentais, caixas de fósforos colecionáveis e o pijama de seda de Hugh Hefner.

Dubin tem experiência no ramo de marketing. Seu padrasto era Alfred Taubman, incorporador de shopping centers e ex-presidente da Sotheby's. Mas Dubin também foi influenciada pelo espírito empreendedor de seu pai, Herbert Rounick, um executivo da indústria têxtil.

Aos 12 anos, ela vendia bugigangas de porta em porta na United Nations Plaza, onde sua família morava. "Ganhei dinheiro suficiente para ir à Tiffany e comprar meu primeiro par de brincos Elsa Peretti, que eu ainda uso."

Na Henri Bendel, em 2001, ela comandou uma loja de produtos para decoração, vendendo luminárias em forma de abacaxi, cadeiras Bertoia e bibelôs surrealistas.

Hoje, sua abordagem mercantil se reflete no catálogo de vendas da Sotheby's, um volume luxuoso, com aspirações eruditas e ofertas agrupadas sob títulos que incluem minimalismo, expressionismo abstrato e modernismo.

A publicação parece uma revista de moda, repleta de imagens de modelos e estrelas. Até mesmo a rainha Elizabeth 2ª está presente e aparece com um vestido que ostenta um broche de diamantes e rubis criado por Andrew Grima.

Não é o único esforço da empresa. "Um leilão imperdível de tênis raros", diz outro anúncio, direcionando os clientes a uma seleção online que inclui um par de Nikes Louis Vuitton (à venda por US$ 15 mil) e um Nike Air Yeezy (oferecido por US$ 23 mil).

Em contraste, o preço de pregão para joias de artistas varia de entre US$ 6.000 e US$ 8.000 para um broche "Anemone" de Claude Lalanne a US$ 300 mil para uma tiara de cobre de Alexander Calder. Quanto ao potencial das peças como investimento, "não tenho como dizer se comprar uma gargantilha Calder é tão lucrativo quanto comprar um móbile Calder, em termos de valor", Jiménez afirmou. O apelo desse tipo de peça continua restrito, por enquanto.

E também precisa de muita audácia. Itens como o colar de acetato de celulose, metal e cacos de espelho de Line Vautrin são tão etéreos quanto asas de cigarras. Mas outros, entre os quais "Tête à Cornes", ou cabeça com chifres, uma peça de ouro de 23 quilates assinada por Max Ernst, deixam sua imagem queimada nas retinas.

Entre as peças que de modo algum podem ser classificadas como adornos, há trabalhos provocantes como os óculos geométricos de ouro e platina do artista e músico Yury Revich e um par de luvas de camurça de cabra da surrealista Meret Oppenheim, decoradas com veias vermelho-sangue. Há também uma bolsa de crocodilo "vintage", da artista Kathleen Vance, que traz do lado de dentro uma colina e riacho miniaturizados.

"Posso contar sobre essa pérola?", disse Dubin sobre a peça, que encomendou a partir de uma bolsa da década de 1940 que ela tinha. "Um dia, Kathleen veio almoçar. No dia seguinte, ela tinha criado uma paisagem."

Fica claro que, para Dubin, "Art as Jewelry as Art" é tanto paixão quanto trabalho. Artista frustrada, ela afirma que seu alento é o de reconhecer e cultivar o talento alheio.

"O que eu não tinha", ela afirma, "era uma área que eu pudesse sentir que era minha propriedade. Esse é meu investimento em mim mesma".

Tradução de Paulo Migliacci

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