Djonga briga com o mercado da música e examina a masculinidade em álbum

Um dos maiores rappers do país, artista lança 'O Dono do Lugar' e diz que fãs pró-Bolsonaro não querem entender suas letras

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São Paulo

Há um ano e meio, quando lançou o álbum, "Nu", Djonga não estava bem. "Pesava 104 quilos, sendo que sempre fui magrelo", diz o rapper. "Era uma compulsão por comida, bebida, não fazer nada, ficar sentado. Uma fuga."

Introspectivo, "Nu" acabou fechando um ciclo para o rapper. De 2017 até o ano passado, ele lançou um álbum por ano, todo dia 13 de março. Desta vez, seu sexto disco, "O Dono do Lugar", chega só no dia 13 de outubro, com uma pujança que não se via no últimos anos.

Retrato do rapper Djonga
Retrato do rapper Djonga em Toledo, na Espanha - Coniiin/Divulgação

"Eu estava pressionado pela exigência de como a música tinha que soar e pela lógica de ter que lançar dia 13 [de março]", diz. "De repente, voltei à academia, consegui o corpo em que me reconheço, voltei aos palcos. E tive tempo para criar."

De "Heresia", seu álbum de estreia, até "Nu", Djonga foi de rapper promissor, com um estilo de rimar gritado e urgente, a um dos nomes mais respeitados do gênero —no quesito rima, é provavelmente o número um. Também se tornou voz antirracista inescapável, dono da frase "fogo nos racistas", enriqueceu e sentiu o peso de se tornar em tão pouco tempo a voz de uma geração.

Se seus dois últimos álbuns foram feitos sob algum nível de pressão e desgaste, no novo disco ele tenta retomar o frescor de "Heresia", "O Menino que Queria Ser Deus", e "Ladrão" —a trilogia já está inscrita entre os clássicos do rap nacional. De certa forma, isso significa voltar a correr riscos.

"Experimentamos muito", diz. "Quem está acostumado a fazer sucesso fica querendo reproduzir alguma das ‘coisas do momento’. E, nesse disco, tento trazer outras coisas."

Djonga diz nas letras que suas "rimas que não vendem mais" o sustentam hoje e brinca que, mesmo que quisesse, não conseguiria ser um artista pop do tipo viral. Mais do que responder a críticos, ele recupera o estilo debochado para falar das hipocrisias da indústria fonográfica, de relacionamentos e do mundo.

Em termos de som, os beats de Coyote, parceiro de Djonga há anos, novamente trazem o estilo de rap mais clássico com momentos de funk e trap. Mas é também o álbum mais melódico do artista, com músicas mais longas e, pela primeira vez, com teclado, guitarra e baixo —tocados por Thiago Braga—, e Auto-Tune.

"Não gostava de usar", diz, Djonga sobre o recurso vocal. "Acho o ato desafiador, mas é divertido. Gosto de inovar e acho que não entendi o quanto isso era importante por estar naquela pressão."

Capa do disco 'O Dono do Lugar', de Djonga
Capa do disco 'O Dono do Lugar', de Djonga - Coniiin/Divulgação

O poeta que examina o racismo em situações cotidianas está de volta (como em "Conversa com uma Menina Branca"), assim como o Djonga que se questiona. Em "A Cor Púrpura" e "Em Quase Tudo", ele reflete sobre a masculinidade a partir das relações com seu pai e seu filho, tentando desmontar padrões de comportamento nocivos.

"Fazer música assim é minha terapia, mas é também o que me trouxe até aqui", ele diz. "Não adianta eu tentar fazer o que o mercado quer. Na verdade, o mercado quer é isso, esse é o produto, é ser o que questiona."

Essas reflexões sobre o funcionamento do mercado passaram a povoar os pensamentos de Djonga depois que ele abriu seu próprio selo, A Quadrilha, em que lança jovens MCs de Belo Horizonte. Foi quando descobriu que ter talento, dinheiro e estrutura não são suficientes para atingir o sucesso.

"Dos caras que usam mais a lírica, acho que sou o mais conhecido", diz. "Mas, diferentemente de outros que escrevem tão bem como eu, sei que cheguei aqui porque minhas músicas mais populares, como as românticas, estouraram."

Entender essa indústria e seu espaço dentro dela é também o que motiva a capa de "O Dono do Lugar", em que Djonga viajou até Toledo, na Espanha, para ser registrado nos moinhos de vento que inspiraram Miguel de Cervantes a escrever "Dom Quixote". Na imagem, ele tenta arremessar um coquetel molotov, mas é segurado por mulheres negras.

"Estou numa luta incessante há muito tempo. É ‘fogo nos racistas’, briga por política, e dentro da arte querendo fazer algo combativo, maior do que a indústria pede. E ao mesmo tempo querer que isso dê certo. É tentar montar meu selo só com artistas de quebrada e ver como é difícil. Os moinhos são isso tudo. O Dom Quixote sou eu e o Sancho Pança, um cara muito mais inteligente, eu represento com as mulheres pretas, que me salvaram durante minha vida inteira."

Mas, apesar de lançar "O Dono do Lugar" às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais —não por acaso, no dia 13, número de Lula, do Partido dos Trabalhadores, de quem o rapper é eleitor—, Djonga não cita diretamente a política partidária em seu álbum. O que ele tem feito é ir ao Instagram para dizer que não faz sentido alguém ser seu fã e apoiador de Jair Bolsonaro, do Partido Liberal.

"A gente já falou do Bolsonaro, a ideia está dada, e o resto está no disco. Falamos de algumas coisas que são tão importantes quanto isso. Por exemplo, a construção da masculinidade faz o cara querer votar no Bolsonaro", diz. "O jeito que a indústria fonográfica funciona gera um tanto de gente alienada o bastante para achar que ele é a solução."

Djonga até apareceu em uma foto ao lado de Lula, mas diz que prefere expressar sua militância no dia a dia, em vez de figurar em singles e ações partidárias. "Faço isso nas minhas redes, shows, no meu bairro."

Ele acrescenta que se sente "apenas puto" com fãs que gostam do atual presidente. "Sou compreensivo, porque sei a realidade de ser criado para ter um tanto de ideia merda. Mas tem umas coisas acontecendo que fica na cara demais. As pessoas também têm que se responsabilizar pelas coisas", diz.

"Muita gente não entende as letras porque não quer. É cômodo curtir o que todo mundo curte. Somos jovens, usamos a roupa que a galera gosta. Só que realmente abrir o ouvido nem que seja para propor um debate interessante, em vez de só repetir o que esse bosta fala, isso essa galera não faz."

O Dono do Lugar

  • Quando A partir desta quinta-feira, às 18h
  • Onde Nas plataformas digitais
  • Autor Djonga
  • Produção Coyote Beatz; Thiago Braga
  • Gravadora A Quadrilha
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