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'Fire of Love', na Mostra de SP, conta morte de casal que amava vulcões

Registros impressionantes dos cientistas Katia e Maurice Krafft são recuperados poeticamente em documentário

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Fire of Love

  • Quando Em cartaz na Mostra de SP: Cinesesc, qua. (26), 16h10; Instituto Moreira Salles, sáb. (29), 14h; Museu da Imagem do Som, ter. (1º), 19h45
  • Classificação 12 anos
  • Produção EUA, Canadá, 2022
  • Direção Sara Dosa

Katia e Maurice Krafft eram o "Casal 20" da vulcanologia. Talvez o único que jamais tenha existido. Mas, no lugar dos crimes que Jonathan e Jennifer, da série de TV dos anos 1980, solucionavam pelo mundo, Katia e Maurice, como mostra "Fire of Love", documentário em exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, viajavam o planeta acampando em lugares ermos em busca da melhor visão possível de um vulcão em atividade.

Ambos nasceram nos anos 1940, em cidadezinhas francesas geladas perto das divisas com a Suíça e a Alemanha. Conheceram-se bem jovens, nos anos 1960, num banco da universidade. Um se apaixonou pelo outro, e ambos tinham em comum o amor por vulcões, o desprezo pela mediocridade do dia a dia, a vontade de viver grandes aventuras e de não ter nada que os prendesse em lugar nenhum.

A vulcanóloga Katia Krafft com trajeto protetor de alumínio em frente a uma explosão de lava no vulcão Krafla, na Islândia. A vida dela e seu marido, Maurice Krafft, também vulcanólogo, são retratados no documentário 'Fire of Love', de Sara Dosa
A vulcanóloga Katia Krafft com trajeto protetor de alumínio em frente a uma explosão de lava no vulcão Krafla, na Islândia. A vida dela e seu marido, Maurice Krafft, também vulcanólogo, são retratados no documentário 'Fire of Love', de Sara Dosa - Image'Est/Divulgação

E foi exatamente assim que levaram suas vidas. Sempre juntos, quase sempre sozinhos, em movimento, correndo perigo. Katia e Maurice perseguiam imagens cada vez mais inebriantes e experiências cada vez mais autodestrutivas que a proximidade com um vulcão em atividade pode proporcionar.

Quando morreram, lado a lado, no dia 3 de junho de 1991, no Japão, engolidos por uma correnteza de gás e lava que jorrava do Monte Unzen a 700 quilômetros por hora com até 1.000ºCelsius, parecia o final poético e inevitável dessa história de amor.

O fluxo piroclástico desta erupção —nome científico para o rio furioso formado de cinza, pedras e gás quente que transborda quando um certo tipo de vulcão entra em atividade— matou 43 pessoas, entre elas Katia, Maurice e um colega vulcanologista que estava na expedição, mas que saiu correndo quando percebeu o perigo. Derrubou sua câmera ligada e ela capturou a nuvem grossa e feroz que engolfou Katia, Maurice e o colega.

Os Krafft não eram milionários excêntricos como o casal da série de TV, mas sim cientistas marginais, sem bolsas de estudos ou patrocínios de qualquer tipo. Trilharam seu caminho às próprias custas, pagavam suas expedições com os direitos autorais dos livros de imagens que produziam, dos filmes que editavam e das palestras que eram convidados a fazer pelo mundo.

Ficaram bem famosos na Europa, apareciam toda hora na TV, em entrevistas e reportagens sobre as suas aventuras. Katia, miúda e mais tímida, de cabelo curtinho e óculos, era o contraponto perfeito para o jeito despachadão e arrojado de Maurice, um sujeito grande, de cabelo desgrenhado, meio malandro.

Nos anos que passaram juntos, do fim da década de 1960 até 1991, a ciência estava em alta com a humanidade. O homem chegou à Lua, Jane Goodall provou que os chimpanzés tinham personalidades, Jacques Cousteau explorou o fundo do mar na TV, Carl Sagan mandou mensagens para o espaço, na esperança de que fossem encontradas e entendidas por extraterrestres.

Katia e Maurice, como apresentados pela jovem cineasta Sara Dosa em "Fire of Love", eram obcecados pela soberania da natureza, pela grandiosidade dos fenômenos que testemunhavam cada vez de mais perto. A propriedade indomável dos vulcões os fascinava.

Eles carregavam suas câmeras por todos os lugares. Katia fotografava, Maurice filmava. Deixaram uma coleção vastíssima de imagens, entre elas centenas de horas de filmes de 16 mm e milhares de fotografias, com imagens épicas, feitas muito de perto, ou aéreas, de todos os ângulos possíveis, de todos os tipos de erupções vulcânicas.

Esse é um filme que implora pela maior tela de cinema possível. Um rio de lava correndo montanha abaixo é uma cena capaz de chacoalhar o coração do maior dos cínicos. Mas o grande lampejo de genialidade da diretora Sara Dosa foi contar a história de Katia e Maurice de maneira intimista, poética, contrastando com as imagens grandiosas capturas por eles.

A narração da escritora e cineasta Miranda July, de "Eu, Você e Todos Nós", de 2005, suave e melancólica, junto da música de Nicolas Godin, da dupla francesa Air, convidam o público a contemplar o filme, quase como uma sessão de meditação guiada, sem nenhum esforço. Este é um documentário, vale lembrar, ninguém precisa suspender a descrença para desfrutar desta trama. O que está na tela, de fato, aconteceu.

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