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Jean Eustache cria o grande filme da geração 68 em 'A Mãe e a Puta'

Cineasta se firmou como legítimo sucessor da nouvelle vague com este longa e o seguinte, 'Meus Pequenos Amores'

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A Mãe e a Puta

  • Quando Em cartaz na Mostra de SP: Cinemateca, seg. (31), às 15h e Espaço Itaú de Cinema, ter. (1º), às 16h10
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Bernadette Lafont, Jean-Pierre Léaud, Françoise Lebrun
  • Produção França, 1973
  • Direção Jean Eustache

Meus Pequenos Amores

  • Quando Em cartaz na Mostra de SP: Cine Marquise, qua. (2), às 18h20
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Martin Loeb, Ingrid Caven, Dionys Mascolo
  • Produção França, 1974
  • Direção Jean Eustache

É estranho o destino de "A Mãe e a Puta". Escolhido para representar a França no Festival de Cannes de 1973, foi rejeitado de forma quase unânime por júri, por crítica, por público, só para pouco depois ser incensado como o grande filme sobre a geração de 1968 na França.

Hoje, quase 50 anos depois, é questão de pegar ou largar esse belo filme de Jean Eustache, exibido na Mostra de Cinema de São Paulo: ou o espectador se aborrece ao longo de três horas e meia ou sai estupefato pela força com que Eustache representa o momento do pós-68.

Cena do filme 'A Mãe e a Puta', de Jean Eustache
Cena do filme 'A Mãe e a Puta', de Jean Eustache - Divulgação

É preciso deixar-se levar por Alexandre (Jean-Pierre Léaud), mistura de intelectual, "flâneur", amante compulsivo, tipo sem destino, mas cheio de belas palavras e também bom de transa.

Seus amores são muitos e contraditórios. De Gilberte, por quem se diz apaixonado, leva um fora homérico, o que não impede de, pouco depois, encontrar a enfermeira Veronika (Françoise Lebrun) e iniciar um caso também apaixonado. Tudo isso não o impede de viver com (e às custas de) Marie (Bernadette Lafond), bela e um pouco mais velha proprietária de uma butique.

Em resumo, se é que se pode resumir, Alexandre e suas amantes expressam bem o clima de sensualidade máxima que se instalou (em Paris, mas não só) no pós-68, isto é, depois que as grandes ilusões de transformações políticas mostraram-se isso mesmo, ilusórias —e a liberação sexual, eventualmente em choque com o amor, mas não com a bebida, capaz de por a nu esse dilema existencial.

Eustache apreende seja o desvio da política para as questões existenciais, seja a rejeição às imposições da vida aceita pela sociedade burguesa.

Esse jogo de equilíbrio desemboca num beco sem saída em que alguém diz "eu te amo", mas essas palavras parecem não ter lastro; em que a sexualidade parece se tornar menos um movimento libertador do que um caminho de entropia pessoal e coletiva.

Sim, é mesmo o filme de uma geração em vias de transitar das grandes fantasias de transformação da sociedade para um estado de "sem destino" que trata "A Mãe e a Puta". Mas por trás dela se insinua um país prestes a perder, no pós-gaullismo, seu lugar central na cultura do mundo.

Bem outro é o quadro de "Meus Pequenos Amores", o filme subsequente de Eustache, lançado um ano depois.

Cena do filme 'Meus Pequenos Amores', de Jean Eustache
Cena do filme 'Meus Pequenos Amores', de Jean Eustache - Divulgação

Ao branco e preto austero de "A Mãe e a Puta", aqui se contrapõe o colorido luminoso criado por Nestor Almendros; a França próspera dos anos 1970 dá lugar a um país que, nos anos 1950, ainda se recupera da guerra; ao espírito metropolitano de Paris substitui a França das pequenas cidades e vilarejos; por fim, no lugar de jovens adultos Eustache se ocupa de garotos como Daniel, que passam da infância à adolescência.

Aqui, o caráter dos protagonistas muda. Se o Alexandre de "A Mãe e a Puta" é "aquele que sabe", que discorre sobre o mundo e a moral com absoluta certeza (como se o mundo não fosse cheio de incertezas, aliás), Daniel é seu inverso: um jovem do silêncio.

Ele não comanda o mundo, deixa-se levar; não afirma, apenas observa, apreende. É levado por uma série de circunstâncias (deve deixar a companhia da avó para morar com a mãe em outra cidade; precisa abandonar os estudos, pois a mãe não tem como sustentá-los etc.), mas o essencial é que, em sua idade, trata-se de apreender o mundo e, mais ainda, de aprender: o que ele é, que relações se desenvolvem ali, por quê.

Se "A Mãe" prende o espectador pela agitação do pensamento e aventuras de Alexandre e suas garotas, esses "Pequenos Amores" seduzem por tudo aquilo que a vida provinciana tem de tranquilo na superfície, enquanto se agita de modo perturbador naquilo que está por baixo dessa aparência.

Assim como no filme anterior, aqui a sexualidade está no centro de tudo, da descoberta às paqueras, do aprendizado de como se portar com as meninas e, depois, de como elas apreciam o contato físico. Se em "A Mãe e a Puta" os locais privilegiados de sociabilidade são os cafés famosos do Quartier Latin, aqui é um café de beira de estrada onde os rapazes se encontram periodicamente. Muda o quadro, mas a questão é a mesma: a sexualidade, o outro, o contato físico, o amor.

Seja pela abordagem da passagem da infância à adolescência, como em "Os Incompreendidos", de François Truffaut, pela presença de Jean-Pierre Léaud, ator-chave das obras dele e de Godard (e, em menor medida, de Bernadette Lafond) em "A Mãe e a Puta", Eustache se afirma como um legítimo sucessor da nouvelle vague, cuja trajetória foi interrompida pela morte prematura.

Antes, em 1977, deixaria uma outra enigmática obra-prima, não presente nesta minirretrospectiva, "Une Sale Histoire" (uma história suja).

Não só por esses nomes se verifica essa filiação, mas pelo gosto de mostrar seus personagens do exterior, a partir da mera aparência, ou da acumulação de aparências que terminam por desenhar com precisão um lugar, uma época, seus hábitos, gostos, obsessões.

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