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David Crosby moldou o rock em voo musical inspirado e turbulento

Com participação em bandas influentes na música, guitarrista caprichava nas composições, sempre de olho em experimentos

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São Paulo

Melômanos do mundo inteiro têm lamentado a morte de seus heróis dos anos 1960. Mal nos recuperamos da passagem de Jeff Beck e somos surpreendidos com a morte de David Crosby, aos 81 anos.

O que vem primeiro à mente quando surge o seu nome? Pode ser o The Byrds, pode ser Crosby, Stills & Nash, e "cabelos" também é uma resposta possível. Não porque a aparência visual venha na frente da música, mas porque uma das canções mais belas que Crosby compôs é "Almost Cut My Hair" ("Quase cortei meus cabelos"), presente em "Déjà Vu", 1970, de Crosby, Stills, Nash & Young, também conhecido pelas iniciais, CSNY.

David Crosby durante show em Syracuse, em Nova York, em 2012 - Neilson Barnard / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Esta foi a terceira grande banda com Crosby em suas fileiras. A segunda é praticamente a mesma, sem Neil Young. A primeira é a antológica The Byrds, importante na profusão do rock psicodélico, do folk e do country rock.

Crosby foi um dos fundadores dos Byrds. No início, a banda contava com três guitarristas: além de Crosby, Roger McGuinn e Gene Clark promoveram o ataque das cordas acústicas e elétricas que se tornaram marca registrada da banda, combinando com harmonias vocais belíssimas.

Não há música de sua autoria em "Mr. Tambourine Man", o primeiro disco, lançado em 1965, embora eles tivessem gravado e não aproveitado a instrumental "You and Me", que Crosby compôs com Clark e McGuinn. Esse primeiro disco traz quatro composições de Bob Dylan, uma delas a faixa-título, primeiro sucesso da banda, que ficaria conhecida como grande intérprete das canções do bardo.

No segundo, "Turn Turn Turn", também de 1965, Crosby compõe com McGuinn a ótima "Wait and See", mas o disco ainda é dominado pelas composições de Gene Clark e por covers, como a faixa título, de Pete Seeger, e mais duas de Bob Dylan.

O equilíbrio de forças começa a mudar, de modo favorável a Crosby, quando o principal compositor, Gene Clark, resolve sair do grupo no início das gravações do terceiro disco, "Fifth Dimension", de 1966.

Para compensar a perda, McGuinn e Crosby passam a compor mais, em dupla ou sozinhos, diminuindo ao mesmo tempo a presença de covers. É desse disco o estrondoso sucesso psicodélico "Eight Miles High", que Crosby compôs com McGuinn e Clark. Crosby ainda contribui com McGuinn na criação de "I See You", outro hino psicodélico, e assina sozinho a belíssima balada "What's Happening?!?!".

No disco seguinte, contudo, o baixista e também fundador da banda Chris Hillman, aproveitando-se da insatisfação de Crosby com a gravação de mais uma cover de Bob Dylan, "My Back Pages", e das frequentes brigas entre Crosby e McGuinn, contribuiu com algumas canções do disco "Younger Than Yesterday", de 1967.

David Crosby se apresenta na cidade de Los Angeles, em 2012 - REUTERS/Mario Anzuoni

Crosby, por sua vez, assina sozinho a maravilhosa "Everybody's Been Burned", um toque de sofisticação no disco, e a idiossincrática "Mind Gardens", equivalente às experiências indianas de George Harrison nos discos dos Beatles, além das marcantes "Renaissance Fair" e "Why", que compôs com McGuinn.

Ainda nesse ano começaram as gravações para o quinto álbum, "The Notorious Byrd Brothers". Crosby estava muito insatisfeito na hora de gravar as covers, sobretudo a belíssima "Goin' Back", de Carole King e Gerry Goffin, deixando o ambiente de gravação bem carregado.

Só McGuinn e Chris Hillman participaram de todas as sessões de gravação do disco. O baterista Michael Clarke já estava com um pé fora da banda, e Crosby foi dispensado no meio das gravações, sendo substituído por um cavalo na capa do disco.

A história, contudo, reservaria a ele novos contornos. Em 1969, é lançado o primeiro disco do supergrupo Crosby, Stills & Nash, ou CSN, que reunia, além de Crosby, Stephen Stills, do Buffalo Springfield, e Graham Nash, dos Hollies. O disco é presença constante em listas de melhores de todos os tempos.

Graham Nash (à esquerda) e David Crosby (à direita) durante show em Nova York, em 2011 - Eugene Gologursky / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP

No ano seguinte, é a vez de "Deja Vu", do CSNY, ou seja, com Neil Young e a já mencionada "Almost Cut My Hair". Crosby assina também a brilhante faixa título. É outro disco que costuma frequentar listas de melhores de todos os tempos. Mas a banda não durou muito. Neil Young e Stephen Stills já tinham carreiras individuais de algum prestígio, e David Crosby e Graham Nash lançariam seus primeiros discos solos em 1971.

"If I Could Only Remember My Name...", o primeiro de Crosby, traz, na capa, seu rosto sobreposto a uma paisagem de pôr-do-sol no oceano. Nas músicas, um pouco das características vistas em suas composições prévias: melodias irresistíveis, um certo pendor para experimentar com texturas e orientalismo e harmonias vocais caprichadas.

Durante os anos 1970, o músico participou de um novo grupo abreviado do supergrupo. Com Graham Nash, gravou três belos LPS sob a alcunha de Crosby & Nash. Com o CSNY lançou o duplo ao vivo "4 Way Street", em 1971. Com o CSN, lançou, em 1977, o incompreendido álbum intitulado apenas CSN, que incorporava o caminho seguido nos anos anteriores pelos três músicos.

Da esquerda para a direita: Stephen Stills, Graham Nash, David Crosby e Neil Young durante apresentação em Michigan, em 2000 - JEFF KOWALSKY / AFP

Entre retornos esporádicos dos Byrds, três novos álbuns do CSN, nove meses passados num presídio, entre 1985 e 1986, por abuso de drogas, dirigir alcoolizado e porte ilegal de armas e um belo segundo disco solo chamado "Oh Yes, I Can", de 1989, Crosby soube se reinventar para o público dos anos 1980. Em 1993 viria o terceiro disco solo, "Thousand Roads", de 1993, menos inspirado, mas longe de ser desprezível.

Teve sérios problemas de saúde em meados dos anos 1990 e precisou fazer um transplante de fígado que lhe salvou a vida. Renascido, montou uma nova banda, CPR, com o guitarrista Jeff Pevar e o tecladista James

Raymond, gravando com eles dois discos elogiados, "CPR", de 1998, e "Just Like Gravity", de 2001. Raymond se tornaria, a partir desse grupo, o principal parceiro de composições de Crosby.

Surge um quarto disco solo, "Croz", de 2014, a partir do qual Crosby se torna novamente prolífico, acumulando discos, projetos diversos e elogios nos anos seguintes, mesmo com a saúde cada vez mais debilitada. É o caso mesmo de gravar música como modo de sobrevivência.

Até o último álbum, o belíssimo "For Free", de 2021, que se torna o testamento de uma carreira que foi, na verdade, um longo e lindo voo musical de grandes atribulações e inspirações.

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