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Artes Cênicas

Novo 'Três Mulheres Altas' troca acidez por discurso de autoajuda

Adaptação com Suely Franco, Deborah Evelyn e Nathalia Dill reflete as fases da vida da mulher sem interesse pelo presente

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Três Mulheres Altas

"Três Mulheres Altas" é um espetáculo desigual. É fascinante assistir, no primeiro ato, ao trabalho de interpretação de Suely Franco, uma atriz à moda antiga, que domina as atenções, atua com um olho no palco e outro no público e constrói imagens incrivelmente nítidas e cômicas a partir de suas narrativas.

Ela interpreta uma velha rica, cuja ruína física contrasta com o porte aristocrático que teve outrora. Fragmentos das memórias da personagem vão nos mostrando uma vida cheia de amargura, fragilidade e ressentimentos, mas também uma personalidade intragável e autoritária, típica da classe que representa.

Elenco da peça 'Três Mulheres Altas', de Edward Albee
Elenco da peça 'Três Mulheres Altas', de Edward Albee - Pino Gomes

Durante a primeira parte da peça, Suely consegue mostrar tais características contraditórias convivendo e se interpenetrando de forma muito engraçada enquanto interage com a mulher que cuida dela diariamente, vivida por Deborah Evelyn, e com a jovem advogada que tenta organizar a sua vida financeira, vivida por Nathalia Dill. Tudo funciona relativamente bem.

No segundo ato, porém, o vigor do início dá lugar a uma arrastada peça de conversação. As outras duas personagens se transformam em imagens duplicadas da velha mulher, só que em etapas diversas de sua vida, aos 52 anos e aos 26.

A cena torna-se o espaço para um falatório sobre a passagem do tempo: ilusões da juventude se esfarelando com os anos, a sabedoria construída de fracassos e de dor, a sensação de eterna decadência, a presença inexorável da morte.

São temas profundos, mas que surgem apenas como assunto numa espécie de chá da tarde entre amigas. Nada realmente acontece.

É verdade que o texto de Edward Albee já não tem mais aquele tom satírico e cáustico de suas primeiras peças, como "Zoo Story", de 1959, "American Dream", de 1961, ou o clássico "Quem Tem Medo de Virginia Woolf?", de 1962.

Escrita bem depois, em 1991, "Três Mulheres Altas" apresenta menor intensidade crítica e até certa complacência com o sofrimento da personagem —é provável, inclusive, que a velha aristocrata da peça seja inspirada na mãe adotiva do autor. Mas ele faz isso com desconfiança e ironia, nunca se esquece totalmente da perversidade autoritária daquela mulher e, obviamente, de sua classe social.

Não é o que acontece na montagem brasileira. Aqui, tal dimensão crítica até dá as caras no início, mas vai se tornando uma névoa fina até desaparecer por completo. Com o tempo, o espetáculo dirigido por Fernando Philbert parece mais interessado em constituir um tipo de reflexão filosófica sobre as fases da vida da mulher.

Até aí, tudo bem, embora o tom seja superficial e a conversa lembre aquela retórica fácil de livros de autoajuda. O que parece mesmo problemático é como os assuntos são elevados a uma questão geral e universal, apesar de serem apresentados de acordo com uma perspectiva social bastante específica —a da mulher branca, americana, rica, envolta em problemas conjugais de uma família tradicional e fascinada por joias.

Elenco da peça 'Três Mulheres Altas', de Edward Albee
Elenco da peça 'Três Mulheres Altas', de Edward Albee - Pino Gomes

Hoje, um modelo como esse logo revela seus limites. A filosofia existencial ali é típica de um mundo estranho e que não diz nada para boa parte da população do planeta. Para uma moradora das periferias do Brasil, por exemplo, os sonhos e as frustrações de juventude são abissalmente diferentes daqueles que aparecem na peça, assim como as crises de meia-idade ou o modo de envelhecer.

Para além da desatenção com as sutis linhas críticas da peça de Albee, na versão brasileira de "Três Mulheres Altas" parece haver também um desinteresse, ou um esforço artístico insuficiente, em aproximar o teatro dos dilemas do presente.

Em outras palavras, fazer o texto saltar de seu tempo e mergulhar no nosso. Poderia ser somente um arcaísmo ou subserviência excessiva ao material literário dos anos 1990, mas, neste caso, dá notícias também de um tipo de insensibilidade aos ritmos da atualidade e aos debates que há anos colocam em crise modos antigos de representação e de reflexão existencial.

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