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Sérgio Porto faz falta aos cem anos, mas Stanislaw segue eterno como Pelé

Cronista formou a cultura de Copacabana, enquanto a irreverência ferina de seu duplo inspirou O Pasquim

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Cláudia Mesquita

Historiadora e autora do livro 'De Copacabana à Boca do Mato: O Rio de Janeiro de Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta'

Rio de Janeiro

Sérgio Marcos Rangel Porto nasceu no bairro carioca de Copacabana há cem anos, em 11 de janeiro de 1923. Porto e Copacabana cresceram praticamente juntos, e um ajudou a moldar a personalidade do outro.

homem de camisa aberta assina papel enquanto mulher o observa
Sérgio Porto assina contrato que o trouxe de volta ao jornal Última Hora, em 1963 - Acervo UH/Folhapress

A inauguração do Copacabana Palace, também em 1923, pode ser tomada como o marco do nascimento cultural do bairro, em torno do qual a "princesinha do mar" se formou. Menino de praia, jogador de peladas, Porto foi companheiro de Sandro Moreyra e Heleno de Freitas e frequentador da biblioteca do cronista Álvaro Moreyra, pai de Sandro, seu vizinho.

Graças aos cronistas da noite, gênero criado por Porto e Antonio Maria, o balneário foi se fixando como o centro da boêmia carioca e importante mediador entre a cultura popular e a cultura das elites.

Em "A Casa Demolida", um dos raros livros assinados como Sérgio Porto, o cronista fala sobre a demolição da sua casa paterna e o sentimento de desolação pela desfiguração da Copacabana de sua infância e juventude, tomada pelos arranha-céus e por uma falsa ideia de progresso.

Com atuação em rádio, shows, teatro, publicidade, cinema e televisão, para Sérgio Porto a imprensa escrita foi a matriz das demais atividades, exercidas diária e exaustivamente ao longo de 21 anos. A estreia, em 1947, foi na Folha do Povo, jornal comunista de Aparício Torelly, o Barão de Itararé, de quem herdou o humor político

Porto se formou na melhor escola de jornalismo da época, a redação do Diário Carioca, liderada por Luís Paulistano e Pompeu de Souza. Quando Jacinto de Thormes resolveu deixar o jornal, Porto foi convidado para fazer a crônica mundana, o que só aceitou sob a condição de poder escrever sobre qualquer assunto e usar um pseudônimo.

Assim, nasceu Stanislaw Ponte Preta em setembro de 1953, criado como blague aos tiques e manias dos cronistas sociais que, à época, proliferavam na imprensa. Para além do nome, inspirado no "Serafim Ponte Grande" de Oswald de Andrade, é possível encontrar muitas semelhanças entre ambos, como o espírito endiabrado, a crítica da linguagem e das convenções literárias, o discurso satírico.

Se o personagem Stanislaw nasceu no Diário Carioca, sua casa impressa foi o jornal Última Hora, onde criou os personagens da família Ponte Preta (tia Zulmira, primo Altamirando, Rosamundo das Mercês, Bonifácio, o Patriota) e permaneceu por 13 anos, até sua última crônica em setembro de 1968.

Seu estilo fez escola, não somente no Última Hora, mas em toda a imprensa, fazendo da coluna Stanislaw Ponte Preta uma grife do jornalismo brasileiro. Sua fórmula de humor ferino associado a futebol, samba, política e mulher passou a ser imitado de norte a sul do país.

O empreendimento mais ousado de toda a sua trajetória jornalística foi, sem dúvida, a criação do jornal A Carapuça, lançado em 22 de agosto de 1968, nascido da sua "fé no ofício", conforme declara no primeiro editorial. A Carapuça serviu de modelo para O Pasquim, que de tão declaradamente herdeiro do humor de Stanislaw, pretendia ser chamado de "Tia Zulmira", segundo um dos seus criadores, o chargista Jaguar.

A fronteira entre o território literário e cultural de Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta se tornou bem demarcada. Porto, de Copacabana, escrevia em estilo lírico e nostálgico sobre um Rio de Janeiro desaparecido da sua infância e mocidade, além de jazz e música popular brasileira.

O irreverente Stanislaw, morador da Boca do Mato, falava sobre o cotidiano da cidade do Rio de Janeiro, do país e do mundo, incluindo política e futebol, a própria imprensa e seus pares, as mazelas da cidade e as mulheres, já que foi criador das "Certinhas do Lalau" —seleção de vedetes de "corpo violão" e poses sensuais cujas imagens eram publicadas diariamente na "Fototeca do Lalau", espaço nobre de sua coluna do Última Hora.

Porto foi um caso raro de jornalista que conseguiu sobreviver na imprensa como dois, Sérgio e Stanislaw ao mesmo tempo. No entanto, nem sempre manteve com seu heterônimo uma convivência pacífica.

Com o passar dos anos, a fama de Stanislaw o obrigou a uma sobrecarga de trabalho muitas vezes desumana. O sucesso o forçou a entrar em uma louca engrenagem, que o levou a morrer de infarto nas primeiras horas do dia 30 de setembro de 1968, aos 45 anos.

O centenário é de Sérgio Porto, mas seria impossível não lembrar seu duplo, sua criatura mais famosa, o irreverente Stanislaw. Juntos foram imbatíveis. Como Pelé no futebol, morre o homem, fica o ídolo. Também no caso deste craque do humor, a comemoração do centenário faz lembrar como Sérgio Porto faz falta —e Stanislaw é eterno.

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