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mostra de cinema

Tiradentes reflete aridez do cinema no Brasil, mas busca organizar futuro

Diretores premiados superaram dificuldades de financiamento e de isolamento impostas pelo governo e pela pandemia

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Tiradentes

Poucas vezes um festival de cinema exprimiu de forma tão clara a situação do audiovisual brasileiro quanto nesta 26ª Mostra de Tiradentes, a primeira presencial desde 2020.

Começando pelos premiados: "As Linhas da Minha Mão", de João Dumans, vencedor da mostra Aurora, dedicada a filmes de diretores em começo de carreira; "O Canto das Amapolas", de Paula Gaetán, ganhador a mostra Olhos Livres, que busca detectar projetos inovadores.

Dumans fez seu filme praticamente sozinho (direção, roteiro, fotografia), com a ajuda de sua atriz/personagem, Viviane de Cassia Ferreira, também roteirista e diretora de arte, entre outros. Gaitán fez direção, roteiro e parte da fotografia de um filme cuja base é uma longa entrevista com sua mãe, Dina Moscovici.

Cena do filme 'As Linhas da Minha Mão', de João Dumans
Cena do filme 'As Linhas da Minha Mão', de João Dumans - Divulgação

Que tenham chegado a resultados admiráveis é animador. Esses autores, como outros na mostra deste ano, deram nó em pingo d’água, driblando as dificuldades de financiamento e isolamento impostos seja pelo governo federal, seja pela pandemia.

Se serviu para nos projetar às vicissitudes de um passado recente, a mostra buscou ao mesmo tempo tomar o lugar de vanguarda na prospecção do que pode vir pela frente. O 1º Fórum de Tiradentes não é um congresso, nem expressão do que possa ser o conjunto do pensamento dos envolvidos com o audiovisual. No entanto, juntou durante nove dias representantes de todos os seus setores, da produção à preservação, passando por distribuidores e exibidores.

Algumas presenças reforçam seu caráter semioficial: a nova secretária de Audiovisual do aliás novo Ministério da Cultura e até uma ministra do STF, o Supremo Tribunal Federal, estavam por lá na noite de abertura dos trabalhos, que tinham como organizadores Mário Borghineti, ex-secretário do Audiovisual do MinC, e Alfredo Manevy, ex-presidente da SPCine, além de Raquel Hallak, diretora da Mostra.

Coube a eles reunir personagens representativos do audiovisual, que produziram, após dias de encontros, a chamada Carta de Tiradentes, ou seja, uma série de ideias e recomendações a serem encaminhadas às instâncias oficiais.

Note-se: não se tratou de um congresso de cinema, as pessoas não representavam entidades ou algo assemelhado. Portanto, suas recomendações podem ser acolhidas ou não, remetidas a outros interessados ou não. No entanto, é preciso notar que se tratou de um importante pontapé inicial sobre o que se projeta para atualizar o audiovisual brasileiro em seus mais diversos aspectos.

Apenas para dar uma ideia da defasagem brasileira: o país não conta com nenhuma legislação capaz de proteger seus produtos audiovisuais, nem os direitos de seus realizadores, num momento em que o streaming se torna o principal veículo de difusão do setor, superando a TV paga.

Se todo o problema fosse esse, seria até fácil. Por não ser é que o Fórum optou por colocar no centro uma palavra da moda: transversalidade. Traduzindo: os problemas do audiovisual não se restringem a cada um de seus segmentos; todos eles se relacionam entre si em algum momento.

Mulher branca e loira deitada em um campo de flores vermelhas
'O Canto das Amapolas', filme de Paula Gaitán exibido na Mostra de Tiradentes - Divulgação

O mais evidente deles é o financiamento. Normalmente, a parte privilegiada, que exige e recebe tratamento especial é, evidentemente, a produção. Cineastas gostam de fazer filmes. Mas, uma vez concluído, não raro endividados, relutam em produzir cópias e mesmo em tirar negativos de seus produtos para preservação. No entanto, as cinematecas precisam não só dessas cópias para existir, como de verbas para guardar e restaurar os filmes antigos.

Para resumir, não há setor cujos problemas não rebatam nos outros e interajam com eles. O Fórum e sua Carta levantam essas questões e arriscam-se a propor soluções. Estamos no fim do primeiro mês de um novo governo: na pior das hipóteses, esse primeiros movimento levanta questões pertinente e lembra aos envolvidos no audiovisual, da universidade aos trabalhadores, que o próximo período, de recuperação da estrutura do audiovisual —da legislação à estrutura física propriamente dita— demandará muito trabalho.

Trabalho e tolerância —mesmo porque o Fórum expressa, a rigor, o pensamento da produção independente, que está longe de ser o conjunto da produção. Como se pôde ver no Fórum, cada setor privilegia antes de tudo seus problemas —que conhece bem melhor.

Ao mesmo tempo, todos se entenderam de modo a produzir uma série de recomendações "estruturantes e transversais" a ser encaminhadas aos órgãos responsáveis. Não é tudo, mas também não é pouco: com essa nova e discreta conjuração mineira o cinema brasileiro começa a se repensar. Começa a recomeçar. A ver o que virá.

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