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'Batem à Porta' traz de volta o Shyamalan de 'Fim dos Tempos'

Diretor está no auge da forma em adaptação que reaproveita dilema moral como história que toca nos efeitos da pandemia

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Batem à Porta

  • Quando Estreia nesta quinta (2) nos cinemas
  • Classificação 16 anos
  • Elenco Jonathan Groff, Dave Bautista, Ben Aldridge
  • Produção EUA, 2023
  • Direção M. Night Shyamalan

Lançado em 2008, "Fim dos Tempos" foi um apocalipse para M. Night Shyamalan. Apesar da boa bilheteria, o filme serviu —por ironia do destino— como um término da carreira meteórica do diretor, que ficou no ostracismo por quase dez anos.

Mas enquanto o cineasta conseguiu recuperar seu respeito nos últimos anos, a cada novo trabalho fica evidente o quanto a rejeição daquela época deixou marcas. "Batem à Porta", além de ótimo filme, é bom exemplo disso.

Cena do filme "Batem à Porta", de M. Night Shyamalan
Cena do filme "Batem à Porta", de M. Night Shyamalan - Divulgação

A comparação é oportuna já que os dois longas lidam com histórias apocalípticas. No caso de "Batem à Porta", a premissa é a mesma de "O Chalé do Fim do Mundo", livro que inspira a produção, e o filme não perde tempo para estabelecer sua trama.

Como na obra de Paul Tremblay, uma família descansando numa cabana isolada de repente se descobre refém de quatro desconhecidos que empurram eles num dilema —ou um dos membros é assassinado pelos próprios familiares, ou eles vão disparar o apocalipse.

Ainda que Shyamalan e os coroteiristas Steve Desmond e Michael Sherman alterem drasticamente o desfecho e façam várias pequenas alterações na trama, a mudança mais importante é sua ênfase. No original, Tremblay evolui a história para o conflito moralista pontuado na violência, com os rituais do grupo alimentando o debate de fé e cinismo no casal.

Se essa lógica parece ser justo o que levou o diretor ao material —da mesma forma que "O Lar das Crianças Peculiares" parou com Tim Burton, "O Chalé do Fim do Mundo" tem afinidade clara com Shyamalan— a prática é outra. A começar pela violência, nunca registrada pela câmera e sublimada do momento mais grotesco do livro.

Esperar que "Batem à Porta" se guie no confronto do cinismo, nos moldes da produção europeia típica dos festivais de cinema, é uma proposição que não faz sentido nas questões de fé que norteiam o diretor. Shyamalan inclusive brinca com isso na abertura, com a cartela de estúdio analógica e os créditos que sugerem um terror vindo dos anos 1970.

Despido desses aparelhamentos, o longa se redireciona à incerteza sobre as intenções do grupo. O embate dos pais da pequena Wen, Eric e Andrew, com os estranhos, encabeçados por Leonard, é pontuado nas constatações de via dupla. Enquanto Andrew, abatido por uma concussão, gradualmente se convence que as visões dos invasores são reais, Eric, mais materialista, luta para encontrar furos nos discurso.

Em meio a isso, Shyamalan se mantém no auge de sua forma —o que é notável, considerando que na fotografia Michael Gioulakis, com quem fez os últimos três filmes, foi trocado pela dupla Jarin Blaschke, colaborador de Robert Eggers, e Lowell A. Meyer, do insólito "Greener Grass".

Ainda assim, está lá o alto nível de experimentação na encenação, seja nos travellings discretos, closes arrojados ou planos que lidam diretamente com a perspectiva dos personagens.

Essa receita é fundamental para o sucesso de "Batem à Porta", e aí vemos não só as intenções do cineasta, mas o retorno a "Fim dos Tempos". Algo muito além do ato de esclarecer a narrativa ao espectador, aliás, o qual lembra o antecessor "Tempo", de 2021.

Como no apocalipse de 2008, Shyamalan volta a encarar o risco do fim da humanidade pela ótica emocional e das relações, quase fazendo um melodrama acobertado no suspense. E como em "Tempo", é mais um filme seu a lidar com o espectro da morte, dessa vez como despedida.

O uso dos flashbacks serve a isso. Enxutos e salpicados, eles pouco fazem para apresentar informações e funcionam como um registro de memórias do casal. É uma forma de Shyamalan materializar a paixão de Eric e Andrew ao espectador, sem afetar o andamento do thriller.

Mais interessante é que é no passado que o filme também estabelece o plano e contraplano como lógica central, durante a visita dos pais de Eric ao casal. Em "Batem à Porta", olhar o outro é o ato mais importante, e é por ele que a narrativa puxa o tapete do público.

Apesar do apocalipse, não estamos mais falando sobre lembrar das relações que nos importam, como em "Fim dos Tempos", mas sobre não se deixar perder depois do fim daqueles que amamos. Quem diria, Shyamalan fez seu filme sobre a pandemia.

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