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Como Anitta pode ter no Grammy a prova de fogo para sua carreira internacional

O que domínio do algoritmo, mudança para Miami e problemas com gravadora dizem sobre carreira internacional da cantora

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A cantora Anitta em imagem de divulgação do álbum 'Versions of Me' Marco Ovando/Divulgação

Washington

No bar dos fundos de um restaurante latino em Washington, onde um reggaeton genérico embala os poucos que saem para beber numa terça-feira na capital americana, um grupo de jovens se olham, confusos, e respondem "não, acho que não conheço nenhuma 'Anira'", dizem, com a pronúncia à moda americana do nome da cantora brasileira Anitta.

Também não esboçam reação mais firme ao verem uma foto dela pelo celular. Até que o repórter põe para tocar nos fones de ouvido a música "Envolver", maior hit da cantora. "Ah, é claro que sim", diz Aracelis Zambrano, empolgada. "Não lembrava o nome dela, mas eu adoro essa música. Sempre toca. Tem uma dança, né?"

Anitta - Natalia Mantini/The New York Times

Era um grupo de americanos de ascendência latina que acabara de sair de um show do porto-riquenho Bad Bunny. Era uma amostra viciada, é verdade. O repórter toca a mesma música para uma jovem do estado americano de Utah sem qualquer proximidade com a língua espanhola. A reação é parecida. "É familiar. Não sei se costuma tocar no rádio ou em alguma playlist que sigo, mas já ouvi algumas vezes."

Cantora mais famosa do Brasil e já um tanto estabelecida em outros países da América Latina e da Europa, Anitta enfrenta agora a provação mais importante de sua jornada rumo ao estrelato mundial. Ela concorre neste domingo a uma estatueta do Grammy, o prêmio mais importante da indústria musical, que pode marcar de vez sua aceitação no mercado fonográfico americano.

O último ano foi crucial, com o sucesso quase ao acaso de "Envolver", uma elogiada apresentação no festival californiano Coachella e, mais recentemente, a primeira vez em que uma cantora brasileira foi premiada no VMA, a famosa premiação de música da MTV americana.

Não foi do dia para a noite. Anitta vem investindo pesado na carreira internacional, num esforço que vai desde falar com desenvoltura e quase que sem sotaque inglês e espanhol a se mudar de país, abaixar a cabeça para sua gravadora e ouvir acusações de apagamento de sua identidade brasileira.

Existe uma Anitta antes e outra depois de "Envolver", música que apresentou no VMA e com a qual ganhou o prêmio de melhor videoclipe de artista latina. Quase um ano depois de seu lançamento, o hit toca até hoje não só em baladas mas também como música ambiente de lojas e restaurantes nos Estados Unidos.

É também uma boa ilustração dos embates que a brasileira teve com a Warner Records internacional depois que se mudou para Miami, em 2020. "Você não tem força para conseguir bombar uma música sozinha em outro idioma", ouviu da empresa ao insistir em lançar o single, segundo ela própria contou em entrevista ao videocast "Poddelas". "Eu falei ‘não quero saber, vou fazer’."

Anitta no podcast Poddelas
Anitta no podcast Poddelas - Reprodução

Lançada em novembro de 2021, a música passou quase despercebida até estourar em março do ano passado depois que a coreografia —o "paso de Anitta", apelido que ganhou em espanhol— se tornou viral no TikTok, o que a fez chegar ao número um das mais tocadas do Spotify no mundo tudo.

"Não é que as pessoas conhecem. Se demoro a tocar ‘Envolver’, começam a pedir", diz o DJ Carlos Andres, colombiano radicado na capital americana. "Não só latinos, mas também americanos. E se eu toco uma versão remixada eles reclamam. Querem a original", diz ele.

O sucesso era o que Anitta precisava para jogar bem na cara da gravadora, emprestando uma expressão de outro hit seu, "Sua Cara". Na mesma entrevista ao "Poddelas", Anitta se refere à gravadora como "o pessoal" e diz que está "tentando fazer a política da boa vizinhança", mas que "os fãs sabem". De fato. Uma rápida pesquisa por "Anitta" e "gravadora" no Twitter retorna centenas de resultados pouquíssimo elogiosos de fã clubes da cantora à Warner.

Sem o status de artista que tinha no Brasil, a "Anira" americana acabou tendo de engolir alguns sapos no meio empresarial dos Estados Unidos. No Brasil, tinha total controle da carreira, inclusive financeiro, e pagava pelos próprios clipes com dinheiro da publicidade que fazia. Já em solo americano depende muito mais dos recursos da gravadora, o que dá a ela menos poder na tomada de decisões. Isso incluiu também a contratação de um agente no país, Brandon Silverstein, em 2019.

Anitta, que não respondeu aos pedidos de entrevista deste repórter, sempre se orgulhou no Brasil de ser sua própria empresária. Ao "Poddelas", a brasileira justificou a necessidade do agente para resolver questões burocráticas. "Estava cansada demais de fazer tudo."

Com empresário e gravadora novos, a mudança para Miami em 2020 a pôs no star system americano, e Anitta passou a frequentar eventos como o Met Gala, baile de arrecadação de recursos para o Metropolitan Museum of Art com a nata nova-iorquina, e a marcar presença em talk shows populares da TV americana, como no programa do apresentador Jimmy Fallon por duas vezes e de Kelly Clarkson, ambos na NBC.

Anitta usa vestido exclusivo da Moschino no baile no Met Gala 2022
Anitta usa vestido exclusivo da Moschino no baile no Met Gala 2022 - Marco Ovando

Com a Warner, também lançou seu primeiro disco internacional, "Versions of Me", quinto álbum de estúdio, cantado majoritariamente em inglês e espanhol, com só uma música em português, "Que Rabão".

Com chuva de elogios na crítica especializada, Anitta ganhou perfil no maior jornal do mundo, o New York Times, e páginas laudatórias nas publicações voltadas a música. "Como Anitta está fazendo o mundo todo se apaixonar por ela", manchetou a revista Rolling Stone americana. "A destemida e divertida superestrela do Brasil alcançou fama global apenas sendo ela mesma", dizia o texto.

Julyssa Lopez, autora da reportagem e editora de música da Rolling Stone, diz que "Anitta está em um momento incrível" e que "nos últimos anos foi bem esperta em se posicionar como uma figura global".

Elogiando a desenvoltura que Anitta alcançou na língua inglesa, ao dizer que "ela fala melhor do que a maioria dos americanos", Lopez afirma que "‘Versions of Me’ a pôs em outro patamar, no mesmo nível de qualidade de outras estrelas globais". "Eu diria que, sim, ela está indo no caminho certo para se tornar uma estrela nos Estados Unidos."

O mercado americano é, por si só, muito mais fechado do que o de outros países próximos. "Envolver", por exemplo, chegou à 70ª posição nas mais tocadas da Billboard, e "Me Gusta", ao 91º lugar. Quando se exclui os Estados Unidos da métrica, "Envolver" sobe para o 1º lugar, tendo ficado 25 semanas na lista dos mais tocados, e "Me Gusta" vai à 38ª posição. Surgem ainda outras músicas como "Modo Turbo", com Luísa Sonza e Pabllo Vittar, "Boys Don’t Cry" e "Girl from Rio".

O disco, porém, também recebeu queixas por ser genérico demais e ter pouco do que fez Anitta famosa, sobretudo em músicas como "Boys Don’t Cry" ou "Girl from Rio", na qual a cantora apostou boa parte de suas fichas, mas que no fim não vingou.

Carlos Andres, DJ na capital americana, prefere manter em seu setlist o clássico contemporâneo do funk carioca "Vai Malandra" e "Bola, Rebola", de 2019, com participação de J Balvin e Tropkillaz. "Achei que o disco de 2019 ["Kisses"] seria um grande hit. Não sei por que não foi. A maioria das músicas era muito boa. Acho que a Anitta vai ser maior que a Shakira", diz ele.

Última sul-americana a alcançar o status de diva pop nos Estados Unidos, Shakira é a grande comparação feita com Anitta. Foi também com seu quinto disco de estúdio, "Laundry Service", de 2001, que ela se tornou a superestrela que é.

Na época, porém, ela tinha só 24 anos, enquanto Anitta já beira os 30 —idade em que sempre disse que iria se aposentar, ideia da qual já desistiu. A comparação de que mais gosta, no entanto, é com Carmen Miranda, a luso-brasileira que se tornou estrela de Hollywood no começo do século passado.

Seja como for, equilibrar pratos em três línguas não é fácil, e Anitta disse à Billboard que se sente como se tivesse três carreiras diferentes. "No Brasil, o público gosta de se sentir próximo dos artistas —tem uma intimidade, como se o artista fosse seu amigo. Na América Latina, é um pouco machista. É sobre o que os homens querem e letras que fazem você se sentir poderoso, como heróis. Nos Estados Unidos, os ouvintes gostam de se sentir ‘cool’. Eles querem parecer ‘cool’."

Para estourar fora, Anitta dominou como poucos os feats, que começou com "Sim ou Não" com o pop star colombiano Maluma, em 2016, ainda cantando em português, antes de gravar com uma constelação como Madonna, Snoop Dogg, Cardi B e Missy Elliott.

Anitta entendeu bem a lógica dos algoritmos das plataformas de streamings e o que significa ter uma base de milhões de ouvintes em tempos de competição pelos charts, as paradas de sucesso, disse à reportagem no ano passado Pedro Tourinho, ex-sócio que acompanhou a transição dela para os Estados Unidos e hoje secretário de Cultura de Salvador.

Se, duas décadas antes pouco faria diferença ter ou não fãs no Brasil para lançar um hit na Colômbia, em tempos de Spotify a quantidade de audições, independentemente do lugar do mundo, torna qualquer lançamento um potencial hit. Prova disso é que mais de 60% dos plays que levaram "Envolver" a se tornar a música mais ouvida do Spotify no mundo vieram do Brasil.

"O grande diferencial da Anitta é que ela sempre soube muito bem fazer o jogo dos algoritmos. Faz parcerias, soma seguidores de um e de outro artista e, pronto, ela conseguiu", afirmou Tourinho antes de assumir a Secretaria de Cultura de Salvador. "Cinco anos atrás, numa reunião com o presidente da Renault, que era nosso patrocinador, ela descreveu como chegaria ao sucesso global só dominando os algoritmos. E ela está seguindo exatamente este roteiro."

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