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Filmes

Djalma Limongi Batista marcou cinema nacional com seus filmes poéticos

Diretor amazonense se destacou em época de crise da produção brasileira em longas que, apesar de poucos, merecem resgate

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São Paulo

Toda vez que algum cineasta importante nos deixa, como aconteceu com Djalma Limongi Batista neste terrível 14 de fevereiro, sentimos vontade de rever seus filmes, retomar o contato com sua obra.

No caso, a obra desse realizador amazonense que fez carreira em São Paulo é curta, com três longas e os curtas de formação. Bastava um dos longas, contudo, para colocar seu nome entre os mais importantes do país: "Brasa Adormecida", de 1987.

Cena de 'Bocage: O Triunfo do Amor', de Djalma Limongi Batista - Cinemateca Brasileira/Divulgação

Dentro dele, um único momento é suficiente para percebermos o talento: quatro rapazes querem seduzir Bebel, personagem de Maitê Proença, e suas amigas na casa de campo onde passam um delicioso verão. Eles saem de trás das árvores, com danças cheias de movimentos másculos, típicos de jovens querendo impressionar.

A coreografia é pensada para ser poética e engraçada ao mesmo tempo. Bebel e as amigas respondem com entusiasmo, sentem-se desejadas.

Até que surge, do outro lado da piscina, com um gavião em suas mãos, Ticão, personagem de Edson Celulari. Com ele, os rapazes não têm chance. Eles se tornam observadores do jogo de sedução.

Ticão mergulha na piscina, sob olhar interessado de Bebel, e quando sai, Limongi o filma de divindade. Seu único rival é o primo Toni, vivido por Paulo César Grande, que chega de moto.

Temos um triângulo amoroso, duelo de belezas, Celulari e Grande, pelo coração de outra beleza, Proença. Lembra, embora com atmosfera diferente, um outro triângulo, o de Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale em "O Leopardo", de Luchino Visconti. Limongi era alguém que via filmes e entendia de cinema, o que fazia diferença.

"Brasa Adormecida" foi realizado e lançado num momento, a segunda metade dos anos 1980, em que o cinema brasileiro passava dificuldades, com inflação descontrolada e as decadências da Boca do Lixo e da Embrafilme.

Limongi não fazia parte da geração interrompida dos anos 1980, pois apesar de estrear em longas na década, ele começou de fato em 1968.

"Um Clássico, Dois em Casa, Nenhum Jogo Fora" não é só o primeiro curta de Limongi. É o primeiro curta feito no curso de cinema da ECA-USP, e o primeiro a ter uma representação frontal da homossexualidade masculina, em plena ditadura, pouco antes do AI-5.

Explosivo, o curta dialoga com o cinema marginal que surgia. Os curtas seguintes mostravam a mesma capacidade de invenção, o que não possibilitou a seu diretor uma passagem rápida ao longa.

"Asa Branca: Um Sonho Brasileiro" viria só em 1981, oito anos depois do último curta, e comprovaria seu talento, na difícil tarefa de filmar um esporte infilmável, o futebol.

Edson Celulari faz Asa Branca, jogador que acompanhamos do início da carreira à glória. O filme se destaca pela poesia com que se filma a história de um vencedor, com lugar para melancolia e dúvida.

O elenco, aliás, faz com que já entre em campo vencendo: Eva Wilma, Geraldo Del Rey, Walmor Chagas, Gianfrancesco Guarnieri e a mais famosa chacrete da época, Rita Cadillac. O filme rendeu prêmios de melhor direção nos festivais de Brasília e Gramado.

O terceiro longa chegaria dez anos após o segundo, já no período da Retomada. Trata-se de "Bocage, o Triunfo do Amor", exibido no Festival de Gramado de 1997.

Este longa traduz vida e obra do poeta português, famoso pela picardia dos escritos, e chocou o público da época com doses de nudez, palavrões e narrativa movida unicamente pela poesia.

Não foram poucos que o compararam a Peter Greenaway, que na época ainda estava na moda, graças a sucessos como "Afogando em Números", 1989, e "O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante", de 1990. Limongi, ao que parece, vai à mesma fonte do inglês e faz cinema superior.

Essa fonte é a Trilogia da Vida, de Pier Paolo Pasolini, cujo primeiro longa, "O Decameron", de 1971, é uma adaptação da obra do poeta satírico Giovanni Boccaccio, e o segundo, "Contos de Canterbury", de 1972, é uma adaptação de Geoffrey Chaucer.

Pode ser traçada uma linha da safadeza na literatura universal que passe por, entre outros, Boccaccio, Chaucer e Manuel Maria Barbosa du Bocage. Limongi estava consciente disso e se apoiou em Pasolini, e em Fellini para realizar uma obra de assinatura pessoal e sem concessões.

No cinema, "Bocage" impressionava pela beleza das imagens. Quem quiser conhecer o filme, porém, terá de esperar um lançamento em DVD ou nos canais de streaming.

Perdemos Djalma Limongi Batista, um ótimo cineasta brasileiro. Precisamos ter cuidado para não perder também o seu cinema.

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