Descrição de chapéu
Lucas Brêda

Grammy, conservador, falha em reconhecer sua maior estrela, Beyoncé

Maior vencedora da história da premiação, cantora se torna uma recordista esnobada, sem levar as categorias principais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Depois de mais de três horas de premiação, o Grammy, que aconteceu no domingo (5), nos Estados Unidos, preparava a entrega de um dos principais prêmios da sua 65ª edição, de música do ano. Depois de mostrar, entre os indicados, estrelas como Beyoncé, Kendrick Lamar, Harry Styles, Lizzo e Adele, o vencedor foi anunciado —Bonnie Raitt, com "Just Like That".

O momento foi o anti-clímax de uma cerimônia voltada a celebrar a música negra, artistas queer e Beyoncé, que quebrou o recorde de pessoa com mais prêmios da história, com um total de 32 gramofones. Mas foi também uma lembrança —a de que, apesar das tentativas, o Grammy continua a mesma instituição branca, conservadora e ensimesmada.

Beyoncé recebendo o prêmio de melhor álbum de dance/eletrônica, por 'Renaissance', no 65º Grammy, em Los Angeles
Beyoncé recebendo o prêmio de melhor álbum de dance/eletrônica, por 'Renaissance', no 65º Grammy, em Los Angeles - Mario Anzuoni/REUTERS

A cereja do bolo foi o último prêmio da noite, o de álbum do ano, que consagrou "Harry’s House", de Harry Styles, em detrimento de Beyoncé. Se a edição de 2023 do Grammy valia para redimir a cantora, que apesar de empilhar estatuetas, nunca foi reconhecida à altura de seu impacto estético e cultural, levando os prêmios mais nobres da cerimônia, o que aconteceu em Los Angeles foi mais do mesmo.

Maior vencedora da premiação em todos os tempos, Beyoncé levou algumas categorias setorizadas, de R&B e dance/eletrônica, mantendo sua sina, a de ganhar prêmios paralelos e perder nas quatro categorias gerais—de álbum, música, gravação e revelação do ano. Ela ganhou apenas uma das 16 vezes em que disputou um dos prêmios do chamado "big four" —em 2010, quando "Single Ladies" foi a música do ano.

Essa é a principal reclamação de artistas e do público negro, algo que levou gigantes como Drake, The Weeknd e Frank Ocean a boicotarem a premiação. Desta vez, Beyoncé perdeu em gravação do ano para Lizzo, com "About Damn Time", além das derrotas para Bonnie Raitt e para Styles.

Veterana do country e do blues, a vitória da cantora reforçou exatamente as razões pelas quais o Grammy vem perdendo apelo e sendo alvo de reclamações nos últimos anos. É a celebração de uma artista que não traz inovações em sua obra, e tem seu alcance limitado aos Estados Unidos.

Uma performance incendiária em homenagem ao hip-hop, que reuniu lendas do gênero, de Missy Elliott a Run-D.M.C., parecia indicar uma vontade de agradar aos fãs de música negra e artistas negros.

Além disso, a performance de Sam Smith, artista não binário, e Kim Petras, uma mulher trans, apresentada por Madonna, parecia também reforçar a vontade de fisgar o público LGBTQIA+.

"Renaissance", de Beyoncé, parecia o exemplo perfeito para a Academia de Gravação —além de ser uma das artistas negras mais celebradas, ela reconhece as origens queer da música dançante de pista que celebra no álbum. O disco é uma ode à pista de dança, do house e techno aos afro beats e ao dancehall.

Fica o gosto amargo para Beyoncé, recordista e esnobada ao mesmo tempo. Foi melancólico ver Jay-Z, ao lado de DJ Khaled, John Legend e Lil Wayne, entre outros, na performance que fechou a cerimônia, logo após a derrota da esposa em álbum do ano. Não é difícil imaginar o que passava pela cabeça dele.

Outro aceno feito pelo Grammy nas indicações soou apenas protocolar na noite de entrega dos prêmios. O porto-riquenho Bad Bunny, artista mais ouvido do mundo no Spotify há dois anos consecutivos, fez um show acalorado na abertura da cerimônia, e até levou em melhor álbum de música urbana, derrotando latinos como Daddy Yankee, mas sem sentar na mesma mesa dos americanos e ingleses.

Seu disco "Un Verano Sin Ti" foi o primeiro cantado inteiro em espanhol a concorrer na categoria de melhor álbum —uma das quatro grandes da premiação. Reggaetonero moderno, com um pé no trap, na obra ele faz um passeio por sonoridades latinas do presente e do passado, do mambo ao dembow.

Bad Bunny levou todo esse apelo ao palco do Grammy, tanto em sua performance quanto em seu discurso. Celebrou sua terra de origem e os latinos do mundo, além de falar a maior parte do tempo em espanhol, sem abaixar a cabeça para a indústria fonográfica dos Estados Unidos —a mais influente do mundo.

Anitta, também uma estrela da música latina, foi outra esnobada, na categoria de artista revelação. Ainda que sua derrota fosse mais previsível, a vencedora do prêmio reforçou a previsibilidade do Grammy, que premiou Samara Joy.

Mesmo quando reconhece um artista negro, a Academia de opta por aqueles que fazem um tipo de música menos ousada esteticamente e dialoga com tradições americanas. É o caso de Joy, uma jazzista, ecoando a vitória de Jon Batiste em álbum do ano, no ano passado.

Sem a relevância que teve no passado, hoje o Grammy serve para reunir famosos em looks extravagantes, gerar memes e colocar bases de fãs organizadas em pé de guerra nas redes sociais. Também para garantir presença a um ou outro artista em algum grande festival, além do "networking" entre gigantes do mercado.

A edição de 2023 serviu para lembrar que o Grammy continua sendo a instituição conservadora de sempre, apesar dos esforços para se adequar a um novo momento da música. Vai ser necessário mais que um par de shows e alguns discursos ensaiados para mudar essa realidade.

Não é a toa que a audiência, o interesse e a capacidade de gerar cenas memoráveis da cerimônia só cai ano após ano. Para o fã de música, o Grammy não passa de um detalhe.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.