Por volta de 50 mil anos atrás, os seres humanos passaram a batucar no chão num ritmo constante, imitando sons da natureza. Foi o surgimento da música. Em pouco tempo, alguns deles começaram a falar sobre eventos cotidianos na frequência dos batuques, criando a primeira canção.
Não precisou muito para que uma alma desolada resolvesse cantar sobre ter um amor perdido para outra pessoa. Foi quando nasceu a primeira música de corno.
Canções sobre desilusões amorosas devem ter a mesma idade da humanidade. Hoje lideram tanto o topo das paradas como as páginas principais dos sites de fofoca.
Em janeiro, a cantora Shakira lançou "Bzrp Music Sessions 53", em parceria com produtor musical argentino Bizarrap, sobre o fim do seu casamento com o jogador de futebol espanhol Gerard Piqué. A cantora expõe detalhes sobre a traição do ex-marido, lembrando o nome da amante e dizendo que foi ele "trocou um Rolex por um Casio" e "uma Ferrari por um Twingo".
A colombiana também reclama da sogra e culpa o jogador por seus problemas com a Receita Federal espanhola. Quem ouve a canção não sabe se mexe os quadris ou se estoura uma pipoca para acompanhar o barraco.
O mundo inteiro quis acompanhar a fofoca extremamente dançante. Em menos de uma semana "Bzrp Music Sessions" chegou ao primeiro lugar das paradas do mundo e se tornou a canção em espanhol mais ouvida dos últimos tempos em um único dia. No YouTube, o clipe foi visto por mais de 200 milhões de pessoas em duas semanas.
Até o maior responsável pelo chifre, Gerard Piqué, faturou com a canção. Ele fechou uma parceria com a marca de relógios Casio e foi visto dirigindo um Twingo, patrocinado pela Renault. A única prejudicada foi a amante, que se internou com uma crise nervosa.
O single também foi parar nas manchetes dos portais de notícias. A letra foi destrinchada por fofoqueiros profissionais sedentos por descobrir detalhes da traição que estavam em cada verso.
"Bzrp Music Sessions 53" também virou tema de discussão. Críticos e especialistas em cultura pop acusam a cantora de ter exagerado ao expor a vida pessoal além da conta para lucrar. Também acham que Shakira pegou pesado por ter exposto a amante e a sogra.
Este jornal publicou uma análise sobre a onda de divas pop escreverem letras vingativas expondo ex-companheiros de forma tão visceral. A psicanalista Maria Homem descreveu como fetiche o fascínio pelo sofrimento das celebridades. O caráter mórbido dos fãs os levaria a se excitar com o chifre alheio, o que estaria moldando o mercado de consumo. Tanto que os singles mais recentes das cantoras Miley Cyrus e SZA são sobre traição e também foram parar no topo das paradas.
Falar explicitamente sobre desilusões amorosas não é uma exclusividade das divas pop. Muito menos das mulheres.
Justin Timberlake foi parar no topo das paradas ao cantar sobre ter sido traído por Britney Spears com seu amigo em "Cry Me a River". Em "Call Out My Name", o cantor The Weeknd confessa ter sido infiel com sua ex-namorada Selena Gomez.
O músico britânico Ed Sheeran desabafou sobre ter sido chifrado pela ex-namorada, a cantora Ellie Goulding, com um integrante do One Direction, em "Don't". Kurt Cobain gravou uma versão de "Tell Me Where Did You Sleep Last Night?", para o Acústico MTV, como indireta a Courtney Love por suas puladas de cerca.
Os integrantes da banda Fleetwood Mac viviam expondo os problemas conjugais nas canções e viveram o mais famoso "quadrizal" —talvez o único— do rock.
No Brasil, Tim Maia reclama da namorada que o traiu com um dos seus sobrinhos em "Voltou a Clarear". Em "Drão", Gilberto Gil pede desculpas à ex-mulher por a ter traído e sido ausente no casamento. Herbert Vianna canta sobre ter sido trocado por outro por Paula Toller em "Uns Dias", dos Paralamas do Sucesso.
Mesmo assim, ainda há quem ache que Shakira deveria cantar apenas sobre quadris que não mentem. Mas podem perder as esperanças. A cantora pretende lançar um novo single falando de recuperação e recomeço. Se os versos seguirem a mesma linha do hit anterior, já podemos separar a pipoca para estourar.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.