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'Till' poupa na violência física, mas faz sua aposta no martírio materno

Capitaneado por Whoopi Goldberg, drama sobre racismo no sul dos EUA dos anos 1950 é importante resgate histórico

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Till - A Busca por Justiça

  • Onde Nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Danielle Deadwyler, Jalyn Hall, Frankie Faison
  • Produção EUA, 2022
  • Direção Chinonye Chukwu

Em 1955, o jovem Emmett Till, de 14 anos, deixou Chicago para visitar os primos em Mississippi. Negro, o rapaz havia sido criado no estado de Illinois, bem mais progressista na comparação com as regras raciais que colocavam afrodescendentes como subcidadãos em vários estados do sul dos Estados Unidos.

Na cidade dos primos, Emmett foi comprar doces em uma loja, achou a mulher (branca) do caixa bonita e assoviou para ela. Enfurecida, a moça contou ao marido –pouco tempo depois, Emmett sofreria um duríssimo espancamento e morreria com um tiro, sendo em seguida arremessado em um rio. A mãe de Emmett, ao ver o corpo desfigurado do filho, fez questão de mostrar à imprensa uma imagem do que fizeram com o rapaz. A foto teve grande impacto, e o caso se tornou amplamente conhecido.

cena do filme 'Till - A Busca por Justiça'
Danielle Deadwyler e Jalyn Hall em cena do filme 'Till - A Busca por Justiça' - Orion Pictures/Divulgação

O assassinato de Till é um dos episódios de ódio racial mais impactantes da história dos EUA, e a cineasta américo-nigeriana Chinonye Chukwu narra o caso com competência em "Till - A Busca por Justiça". Era um projeto antigo da atriz Whoopi Goldberg, que faz um papel pequeno e é uma das produtoras-executivas do longa.

O foco não é no evento da tortura de Emmett em si, mas no desespero de sua mãe, Mamie Till-Mobley, e em como ela transformou seu luto em militância para que o mundo conhecesse a injustiça pela qual seu filho passou. Afinal, seus assassinos brancos foram inocentados.

No começo do filme, vemos uma Mamie excessivamente preocupada com a ida do filho ao Mississippi. A avó queria que ele fosse, até para conhecer um local em seu próprio país em que as relações raciais fossem extremamente distintas das de Illinois.

Mas Mamie achava que não era necessário conhecer a experiência de ser negro fora de Chicago. Não só por ela ser originalmente do Mississippi —e saber do fardo que era ser afrodescendente ali—, mas parecia tomada por um pressentimento, ou por uma consciência algo helênica de que o destino reservaria ao seu filho um fim trágico. Sua intuição materna não falhou.

O filme pode até poupar o espectador de observar a violência física pela qual Emmett passou, mas não se furta de mostrar detalhadamente todo o calvário de Mamie, que tem compreensíveis crises de choro desesperado, sufocantes, em diferentes etapas da perda do filho —quando fica sabendo que ele desapareceu, quando vê a caixa com seu corpo chegar a Chicago, quando descobre o estado em que foi encontrado, quando depõe no julgamento.

É evidente que um filme que se propõe a narrar a trajetória de uma mãe que perde um filho há de mostrar cenas de intenso martírio, mas em alguns momentos "Till" fica à beira de tratar a tragédia materna como sofrimento espetacularizado.

Há tantas cenas de Mamie aos prantos que a atriz Danielle Deadwyler deve ter chegado ao fim das filmagens desidratada. Mas a diretora, auxiliada pelo trabalho notável de Deadwyler, que evolui para uma performance mais contida com o avançar do filme, consegue se desviar dessa armadilha; em vez de voyerismo fetichista, o filme de fato reforça a emoção latente de cada cena.

A grande questão é que a Mamie do filme por vezes parece muito reduzida ao arquétipo da "mãe coragem", quando, pela sua história de vida, dá a impressão de ter sido uma mulher muito mais interessante, para além de sua tragédia pessoal. Por exemplo, ela era a única funcionária negra no escritório em que trabalhava, na Força Aérea —o que provavelmente lhe rendia um bom salário, já que vivia em um lar bastante confortável. Seria curioso entender como ela conseguiu chegar lá.

Além disso, não baixava a cabeça para brancos que a tratavam mal em Chicago. O filme talvez fosse mais completo se nos permitisse conhecer mais sobre essa mulher antes da tragédia —e mesmo depois, quando seu ativismo foi bem além de seu drama pessoal.

Mas a opção de Chukwu é pela força do amor maternal enquanto elemento mobilizador, o que não é uma escolha em nada condenável —embora tampouco seja algo novo no cinema. Mas seu longa, ainda assim, se impõe sobretudo como um resgate histórico de um episódio repulsivo na história dos direitos civis nos EUA. E, quem sabe, como uma importante ferramenta no combate ao racismo, seja lá em que país ele for exibido.

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