Fernando Lindote confronta derrotismo do Brasil com tropicalidade exótica

'Quanto Pior, Pior', no Instituto Tomie Ohtake, insiste que o país pode ser melhor, diz curador

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São Paulo

O artista Fernando Lindote, de 62 anos, é conhecido por experimentar com as mais diversas linguagens em suas cinco décadas de carreira. Agora, com a exposição "Quanto Pior, Pior", que abre nesta quinta-feira (2) no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, o gaúcho radicado em Florianópolis mostra a amálgama dessa trajetória não linear por meio de pinturas.

A mostra traz 26 obras, realizadas entre 2010 e 2023, que confrontam os lugares-comuns do imaginário brasileiro a respeito de sua própria história com um projeto colonial falido. Elas acumulam diferentes elementos, como sombras em fundos luminosos, tinta escorrida pela tela e camadas de cores opacas, conforme descreve Paulo Miyada, que assina a curadoria com Julia Cavazzini.

Pintura "Não te Esqueças que Eu Também Venho dos Trópicos (As Três Ninfas)", de Fernando Lindote, que integra a exposição "Quanto Pior, Pior" - Divulgação

"Por sermos um país colonial, o imaginário de tropicalidade transborda a factualidade da fauna e da flora", diz Miyada. Trata-se de uma ideia que Lindote explora, por exemplo, em "Não te Esqueças que Eu Também Venho dos Trópicos (As Três Ninfas)".

A composição detalhista da peça conta com recursos variados, como uma referência, logo no título, à obra homônima de Maria Martins, artista mineira surrealista que criou um universo carnal, feminino e visceral.

Outros destaques são trechos azulados, esverdeados e amarelados no fundo. A partir dele, Lindote lança mão de figuras volumosas, áreas de sombras e luz e gotejamentos ao representar diversas plantas de maneira quase abstrata, assim compondo uma floresta mais densa que uma de verdade. "É uma cena tumultuada, com elementos que se metamorfoseiam, distante do paisagístico tradicional", afirma o curador.

O mergulho que Lindote faz na linguagem da pintura —em que o artista investe montes de energia, repertório, tempo e referências— resulta em obras que se contrapõem ao imaginário de paraíso tropical carregadas de símbolos exóticos. Lygia Clark, Tarsila do Amaral e Lygia Pape são as outras heroínas de Lindote reverenciadas nas peças.

O título "Quanto Pior, Pior" pode até soar pessimista e debochado, mas, segundo o curador, não há intenção de reforçar alguma letargia frente às dificuldades políticas de um Brasil na esteira dos ataques golpistas de 8 de janeiro.

A provocação é um convite à ação, mesmo que o artista não esteja preocupado com propostas objetivas de solução aos problemas sociais.

"Um dos compromissos éticos de nosso tempo é lembrar que não podemos dizer 'tanto faz'. O enfrentamento ainda faz sentido porque o piorar piora de fato", diz. "A mostra traz o avesso de utopias nesse momento em que tanta gente crê que não há mais nada a ser feito pelo país."

Uma imagem que traduz a ideia é a de Sísifo, personagem da mitologia grega que, em um processo diário e cíclico, rolava uma imensa pedra até o topo de uma montanha até que, no fim, a rocha rolava abaixo e o homem era forçado a repetir esse esforço todos os dias.

O curador analisa que essa condenação remete também à lida do próprio Lindote, conhecido por se valer de métodos labirínticos para gerir seu trabalho. Independente disso, ele segue comparecendo ao ateliê com obstinação para fazer o trabalho do dia. A pintura a óleo, processo dominante em "Quanto Pior, Pior", tem um extenso tempo de secagem.

Vale notar, ressalva Miyada, que a complexidade das telas de Lindote fazem um convite à apreciação desapressada e à busca por uma interpretação, algo raro em tempos como o de hoje, em que consumimos velozmente imagens em telas de celulares e TV.

A abertura da exposição também marca o lançamento do livro "Fernando Lindote: Não Desespere por um Estilo", publicado pela editora Capivara Contemporânea, no qual o crítico de arte Paulo Herkenhoff aborda em ensaios momentos diversos e conjuntos de obras da carreira do artista.

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