Descrição de chapéu The New York Times Moda

Itens inspirados em artistas como Warhol e Banksy viram moda em lojas de museus

Espaços vendem roupas, sapatos e acessórios que lembram versões usadas por personas da arte por valores de até R$ 18 mil

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Blake Gopnik
The New York Times

O Musée Picasso, em Paris, que abriga um vasto acervo de obras-primas do artista cujo nome a instituição ostenta, oferece uma camiseta listrada que facilita a adoção do look que caracterizava o grande pintor cubista, e tudo isso por apenas US$ 70, cerca de R$ 360.

Em uma página de web do Museu Hirshhorn, parte da Smithsonian Institution em Washington, é possível comprar tênis de cano alto estampados com o padrão de "rede infinita" que serve como marca artística de Yayoi Kusama, 93, estrela de arte japonesa. Um par de tênis custa US$ 360 (R$ 1.864), e a loja do Hirshhorn já vendeu 44 deles.

Visitante observa quadro de Edward Hopper no museu Whitney, nos Estados Unidos
Visitante observa quadro de Edward Hopper no museu Whitney, nos Estados Unidos - Timothy A. Clary/AFP

A loja de presentes do Museu Whitney de Arte Americana, em Nova York, exibe um chapéu Hopper por US$ 118 (R$ 611), um fedora de feltro que reproduz de forma quase perfeita o modelo usado por Edward Hopper em seu autorretrato mais famoso, parte do acervo do museu.

Se os visitantes estão dispostos a gastar todo esse dinheiro para se vestirem como os artistas que mais admiram é porque o moderno público amante da arte encontra tanta inspiração na personalidade dos criadores quanto nas obras que eles criaram.

Jennifer Heslin, diretora de operações de varejo no Whitney, disse que, em seus 25 anos de trabalho na área de marketing do museu, viu os visitantes demonstrarem cada vez mais interesse por produtos, como o chapéu Hopper oferecido pela loja de presentes, que lhes dão "uma ligação àquele impulso criativo" presente nos grandes artistas que servem como exemplos de vida para muita gente.

Uma das muitas "experiências" de imersão dedicadas a Vincent van Gogh em todo o planeta se distingue de todas as demais ao oferecer um componente de realidade virtual que oferece ao visitante a oportunidade de estar "totalmente imerso na mente" de Van Gogh.

Uma experiência de imersão construída em torno de Frida Kahlo proclama orgulhosamente que é "apresentada sem reproduções das pinturas da artista", para que em lugar disso o participante possa habitar "a incrível história por trás da artista lendária". A popularidade da instalação é tamanha que ela já foi programada em 15 cidades de todo o planeta.

Há seis décadas, Andy Warhol ajudou a nos colocar nesse rumo, para o bem ou para o mal, quando começou a fazer com que sua persona tivesse tanta importância quanto os seus quadros ou filmes. A criação que realmente mudou todo o futuro da arte foi a escultura viva chamada Andy Warhol, sempre atualizada para acompanhar as mudanças de cada época.

Havia a camiseta listrada que ele tomou emprestada de Picasso, usada para criar uma versão alegre e pop de Warhol que sinalizava a sua ambição de ocupar o lugar que um dia coubera ao espanhol no mundo da arte. Depois veio o Warhol vampiro, com uma jaqueta de couro em estilo motociclista e óculos escuros como os dos usuários de drogas.

Os anos 1970 viram Warhol em calças jeans, camisas brancas e gravatas, deixando de lado a rebeldia antiquada dos anos 1960, e nos anos 1980 ele usava paletós com ombreiras, para se aproximar da New Wave. E ao longo desse tempo todo, ele nunca deixou de lado aquela chocante peruca platinada, reproduções da qual agora podem ser compradas em qualquer loja de fantasias.

Um dos primeiros críticos do artista definiu Warhol como a culminação "daquela curiosa mas significativa tradição na qual o artista é a obra de arte" —uma tradição que estava para atingir o seu apogeu exatamente quando Warhol entrou em cena.

No início dos anos 1960, a vanguarda fez o seu melhor para dissolver todas as fronteiras entre arte e vida, declarando que fazer saladas era um ato artístico, assim como passear com um carrinho de bebê ou, em um caso triste, sofrer uma overdose de drogas.

Warhol conjugava arte e vida melhor do que quase ninguém, e é isso que continua a mantê-lo tão vivo aos olhos do público. Quatro décadas depois de sua morte, ele está presente nos palcos neste começo de ano, ao lado de Jean-Michel Basquiat, um segundo caso de artista cuja pessoa é maior do que a arte, em uma peça da Broadway e no cerne de duas outras peças em Chicago, depois de servir como tema de "The Andy Warhol Diaries", série exibida no ano passado pela Netflix.

Em todos esses espetáculos, as criações artísticas de Warhol quase desapareceram por trás do homem que as criou. Foi ele que nos conduziu aos chapéus de Hopper e aos eventos sem arte sobre Kahlo.

Warhol claramente não foi o primeiro artista a ter uma persona que atraísse atenção. O interesse do público por Van Gogh foi sempre dividido entre suas obras e a história de sua vida, por menos que ele tivesse previsto que isso viesse a ocorrer.

Diversas das mulheres que ganharam fama na arte fizeram questão de criar personas que as ajudassem a se destacar em meio a uma horda de colegas masculinos. Há alguns anos, uma exposição do Museu de Brooklyn sobre Georgia O'Keeffe destacava as roupas muito peculiares que a artista comprava ou que ela mesma costurava, e com as quais posava para fotos. Uma mostra no Museu de Arte da Filadélfia reunia as muitas e ótimas fotos usadas para divulgar a persona colorida e bem administrada criada por Kahlo.

Mas enquanto as imagens vistosas dessas artistas ajudaram a lançar obras capazes de falar por si mesmas, as Marilyns, flores e latas de sopa de Warhol vieram a se parecer mais e mais com simples referências ao seu criador.

A fama de Kusama, que aparentemente não para de crescer com o passar dos anos, também parece depender menos de qualquer recompensa estética real oferecida pelo seu fluxo interminável de objetos pontilhados do que da loucura autodeclarada que deu origem a esses trabalhos ponteados.

Os pontos de Kusama servem ao mesmo tempo para dizer que "Yayoi esteve aqui" e para pedir a mais profunda das leituras. A sua repetição constante não serve para diluir alguma mensagem artística poderosa, como se poderia argumentar que acontece nos trabalhos de artistas notáveis pelas repetições, a exemplo de Gerhard Richter ou Richard Serra.

As repetições de Kusama, como as de Warhol, funcionam maravilhosamente para que sua persona se torne conhecida em toda parte. Agora mesmo, Kusama —ou pelo menos sua persona magnética— está a atrair multidões na vitrine da loja Louis Vuitton na Quinta Avenida de Nova York, sob a forma de um robô pintor de pontinhos, que faz o seu trabalho por sob de um mural de dez andares que retrata a artista.

A arte de rua de Banksy, em diversas partes do mundo, também desempenha um papel na construção de uma persona, o que é surpreendente, se considerarmos que o muralista mais popular do hemisfério norte continua anônimo. Mas esse anonimato só faz crescer nosso fascínio pelo homem misterioso que está por trás das obras, e por isso, ausente, Banksy vem a importar pelo menos tanto quanto as imagens que nos apresenta.

Antes que comecemos a resmungar sobre a substituição da estética pela celebridade, talvez valha a pena reconhecer que alguns dos melhores artistas atuais fazem um bom trabalho, seguindo as pegadas de Warhol.

Theaster Gates faz e vende objetos de arte individuais dos quais é difícil não gostar, por suas qualidades inerentes: esculturas encantadoras que exploram a história e o significado da cerâmica; abstrações atraentes feitas a partir de detritos urbanos.

Mas eu diria que os objetos só assumem seu papel pleno quando vistos como elementos —adereços, quase— em um "projeto" artístico maior que inclui todas as maneiras pelas quais Gates interage com o mundo, e com o mundo da arte, em suas funções como ativista urbano, empresário musical, arquivista cultural... e como um fabricante de objetos de grande sucesso comercial, cujas vendas financiam o resto do que ele faz. Ou seja, aquilo que Gates faz é o que o torna importante; as suas obras de arte são apenas uma pequena parte disso.

Há um artista fabricante de objetos que está em destaque neste momento em Nova York, e os maiores objetos que ele produz abordam o "problema" da presença do artista como persona. Em sua exposição no Museu Guggenheim, Nick Cave ocupou toda uma galeria do quinto andar com 16 dos seus "Soundsuits", macacões complicados e recobertos de quinquilharias que são vistos, com toda razão, como suas obras mais marcantes.

Um deles o cobre da cabeça aos pés em galhos, e permite que se camufle perfeitamente em uma floresta. Outro, visto "ao vivo" em um vídeo, é uma roupa de coelho em cor-de-rosa berrante, para um usuário que queira se destacar em meio à multidão.

E em todos os casos, creio que o primeiro usuário que imaginamos vestindo esses trajes seja Cave, quando ele se depara com a invisibilidade que todos os artistas negros enfrentaram, e com a presença excessiva que também lhes é imposta —e a outros homens negros, tais como Trayvon Martin ou Eric Garner.

Cave, o "coelho", portanto, assume em seu vídeo o papel clássico de "homem comum", gerando avatares que somos convidados a experimentar também, à medida que negociamos a nossa ausência e presença privadas na cultura.

Valentina Primrose, uma artista de moda que se identifica como pessoa transgênero não-branca, chorou, depois de visitar duas vezes a exposição de Cave. Primrose reconheceu a presença forte de Cave em seus Soundsuits. "Mas eu também imaginei a mim, a toda a minha família, a toda uma multidão de pessoas, dentro dos Soundsuits. Nick Cave não é uma só pessoa. Ele é multidões de pessoas, multidões de espíritos, multidões de encarnações."

Isso convenceu Primrose a descer cinco andares até à loja de presentes do Guggenheim, que oferece sapatos criados pelo estilista James Sommerfeldt e inspirados pelos trajes de Cave, mas eles, a preços de até US$ 3,5 mil o par (cerca de R$ 18.120), requerem um pouco mais de empenho que o chapéu de Hopper no Whitney.

Primrose lamentou por não poder comprar os sapatos, mas na verdade quase não precisava deles para se destacar em meio à multidão no Guggenheim: seu cocar cor de laranja berrante e casaco de pele falsa eram mais do que suficientes para a função de estabelecer as suas credenciais criativas.

Alguns quarteirões ao sul do Guggenheim, outra loja de museu embarcou na onda das personas. A Neue Galerie, dedicada aos primeiros artistas modernistas da Europa Central, oferece "uma réplica exata do avental de pintura de Gustav Klimt, em cerca de 1903".

Por US$ 395 (R$ 2.045), o comprador pode se vestir exatamente como um pintor que quase ninguém reconheceria. Mas suponho que se a Neue conseguir que um número suficiente de pessoas desfile pela cidade usando o avental, Klimt poderá se juntar a Kahlo como mais um artista cuja aparência interessa tanto quanto suas obras.

Tradução Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.