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Maçante, série sobre Jorge Bastos Moreno interessa só a amigos

Documentário 'O Repórter do Poder', estreia do Globoplay, não reflete promiscuidade entre jornalistas e suas fontes e exagera

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Mauricio Stycer

O Repórter do Poder

  • Onde No Globoplay
  • Elenco Jorge Bastos Moreno, Fernando Henrique Cardoso, Andrea Sadi
  • Direção Patricia Guimarães e Letícia Muhana

Por que o repórter de política e colunista Jorge Bastos Moreno é tema de um documentário no Globoplay? Essa questão essencial fica sem uma resposta adequada ao final do maçante "O Repórter do Poder", uma série dividida em quatro episódios com quase duas horas de depoimentos sobre o jornalista.

Nascido em 1954, em Cuiabá, em Mato Grosso, Moreno atuou profissionalmente entre meados da década de 1970 e 2017, quando morreu, aos 63 anos. A maior parte de sua carreira foi no jornal O Globo, inicialmente em Brasília, depois no Rio de Janeiro.

No Jornal de Brasília, onde começou, ganhou notoriedade ao ouvir da boca do general João Figueiredo que ele seria o sucessor do general Ernesto Geisel na Presidência do Brasil. A informação já era de conhecimento geral nos bastidores, mas ainda não havia sido confirmada publicamente.

Jornalista Jorge Bastos Moreno
Jorge Bastos Moreno é alvo da série 'O Repórter do Poder', série documental no Globoplay - Divulgação

Desde cedo, em Brasília, Moreno se notabilizou como um repórter de excelente trânsito entre os políticos e uma figura muito querida entre os colegas. Vários testemunhos mencionam a sua capacidade de reunir tribos diferentes em almoços e eventos sociais em todos os lugares onde morou.

Era um agregador, quase um produtor de eventos, na descrição dos jornalistas e políticos que frequentaram a sua casa. Mas e daí? Qual é o interesse disso? O que torna Moreno especial?

"O Repórter do Poder" até levanta a bola, mas não vai fundo numa questão presente a todo momento na série. Até que ponto o acesso conquistado com muita camaradagem limita a capacidade do profissional de tratar criticamente as fontes? Quais são os limites éticos da relação do jornalista com a fonte?

Poucos repórteres tinham tanto acesso a Ulysses Guimarães e Tancredo Neves no período da redemocratização quanto Moreno.

Ele próprio diz que um dos segredos dessas boas relações era o respeito à privacidade, sugerindo que guardava para si muito do que via e observava no entorno dos políticos. Diz ainda que tinha consciência de que as duas raposas, nas suas palavras, só falavam o que queriam.

Quem melhor enfrenta essas questões é o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. "Se você não tiver a capacidade de lidar com a imprensa, você está perdido no mundo democrático. A imprensa faz uma boa parte do jogo do poder. No bom sentido." "Você só entende o jogo se tiver bons informantes. E você só tem bons informantes se você também os informar", acrescenta.

Sobre Moreno, especificamente, FHC dá a entender que passava recados por meio do jornalista. "Ele tinha acesso a pessoas de difícil acesso. Ele dava informação e usava informação. Parecia que não, mas ele era peça do jogo político."

A palavra promiscuidade é mais de uma vez citada na descrição desse tipo de relação entre políticos e jornalistas, mas sempre em tese, nunca relacionada à atuação de algum profissional específico. Amigos e colegas ressalvam que Moreno não deixava de publicar o que tinha de ser publicado.

Ao avançar sobre detalhes da vida pessoal de Moreno, a série explicita ainda mais o seu desinteresse. Quem está curioso em saber se o jornalista era gay ou não? Ou que ele levava prostitutas, às vezes três de uma vez, para o seu apartamento? Ou que ficou de coração partido quando Monica Waldvogel disse que não queria nada com ele?

Nesses momentos, "O Repórter do Poder" deixa claro que é uma série destinada a um pequeno grupo de amigos, colegas e conhecidos de Moreno. Esse tom provinciano é evidenciado, abertamente, no último episódio, quando a diretora Leticia Muhana promove um encontro de figuras próximas do jornalista.

Profissionais de diversas gerações, de Ancelmo Gois a Andreia Sadi, além de artistas —Gilberto Gil, Mariana Ximenes, Otávio Muller—, entre outros, tagarelam amenidades sobre Moreno. São conversas com baixíssimo grau de interesse para a grande maioria dos espectadores, mas que certamente vão alegrar e reconfortar os fãs e amigos do jornalista.

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