Pritzker dá prêmio a David Chipperfield, que misturou o clássico e o contemporâneo

Arquiteto restaurou o Neues Museum de Berlim e renovou os palácios da Procuradoria Velha em Veneza, uma obra rigorosa

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Rio de Janeiro

Se o Parthenon fosse um projeto do século 21, provavelmente seu autor seria o arquiteto David Chipperfield. O britânico é o vencedor da edição deste ano do Prêmio Pritzker, a honraria máximo da arquitetura.

A associação com o classicismo não ocorre por reprodução pós-modernista de colunas dóricas, jônicas ou coríntias.

O arquiteto inglês David Chipperfield
O arquiteto inglês David Chipperfield - Tom Welsh/Divulgação

A correspondência estabelecida por Chipperfield com a gênese da arquitetura ocidental opera no campo dos princípios. As formas de seus projetos partem de geometria e modulação rigorosas. A natureza dos materiais empregados é explicitada visualmente e suas estruturas são pesadas, expressando solidez e estabilidade.

É uma arquitetura um tanto estranha à lógica atual de busca de holofotes por meio de imagens sedutoras e facilmente compartilháveis nas redes sociais para conferir um status fugaz ao autor.

Seria complicado medir a qualidade dos projetos do britânico pela quantidade de curtidas ou outros artifícios de interesse momentâneo, porque Chipperfield ambiciona a perenidade das suas edificações por séculos.

Diferentemente das recentes premiações do Pritzker atribuídas a Diébédo Francis Kéré, no ano passado, ou a dupla de arquitetas mulheres do Grafton Architects, em 2020, a biografia de Chipperfield não carrega qualquer traço que permita uma justificativa de sua láurea por questões identitárias.

Afinal, ele é um londrino branco de origens um tanto aristocráticas, que se formou em escolas de elite como a Kingston School of Art, em 1976, e a Architectural Association, em 1977. Trabalhou com Norman Foster, vencedor do Pritzker de 1999, e Richard Rogers, vencedor em 2007, antes de fundar seu próprio escritório na sua cidade natal em 1985. Sua linhagem nobre se verifica, sobretudo, quando se faz referência a ele pelo título de sir David Chipperfield.

O Neues Museum, em Berlim, destruído na Segunda Guerra e reconstruído por David Chipperfield - Jörg von Bruchhausen/Archello Architects

Então se trata de uma vitória conservadora? Não. Isso só reitera que os critérios do júri do Pritzker favorecem as virtudes do projeto arquitetônico —a essência desse ofício– acima de narrativas personalistas.

Chipperfield já tinha feito obras no Japão e sido professor em Stuttgart quando, em 1997, ganha o concurso do projeto que dá notoriedade a ele —a restauração do Neues Museum, em Berlim.

No caso, é mais apropriado chamar de reconstrução, porque o museu, originalmente projetado por Friedrich August Stüler em meados do século 19, foi severamente bombardeado na Segunda Guerra Mundial e por décadas teve setores inteiros deixados em ruínas.

O arquiteto britânico reconstituiu o volume original do Neues Museum sem camuflar o que foi refeito em meio ao antigo. Com sutis contrastes, ele fez uso de novos materiais para preencher áreas que desapareceram. Não escondeu as marcas do tempo e as traumáticas feridas da guerra sob massa e pintura.

Nisso é especialmente notável o hall da escadaria principal. A ornamentação que cobria paredes, pisos e teto não foi reconstituída, mas foi replicada a forma original da escada grandiosa e simétrica, agora feita de uma reluzente mistura de cimento branco com lascas de mármore da Saxônia, tudo em meio a paredes de tijolos aparentes. O resultado é um ambiente monumental de rara elegância.

Reinaugurado em 2009, o projeto do Neues Museum estabeleceu um novo paradigma no campo do restauro de edifícios históricos com finalidades culturais. Isso abriu caminho para o escritório de David Chipperfield conseguir várias encomendas de projetos do gênero.

Na mesma ilha dos museus no rio Spree, ele projetou a James-Simon-Galerie inaugurada há cinco anos. O novo prédio se mostra em plena sintonia com as vizinhas edificações neoclássicas do Museu Pergamon e do Altes Museum.

A galeria foi construída para cumprir funções mundanas atuais —balcões de informações, bilheterias, lojinha, guarda volumes, salas para exposições temporárias e um auditório. O propósito maior foi criar uma nova entrada para aquele distrito cultural insular. Esse acesso é marcado por uma majestosa e solene escadaria ao ar livre, em meio à edificação com elegantes colunas altas e delgadas, revestida de pedra alva e luminosa.

A relação do arquiteto com a cidade de Berlim se estreitou. Não precisa ser especialista na área para perceber a correlação entre a precisão matemática dos módulos de David Chipperfield e do mestre moderno Mies van der Rohe —parecia natural que o britânico recebesse a incumbência do restauro da Neue Nationalgalerie, o icônico pavilhão de aço e vidro do século 20.

A encomenda tratava de atualizações técnicas de ar-condicionado, luminotécnica e demais instalações, todavia, quando o projeto original é feito de componentes rigorosamente medidos e encaixados, a reforma é uma operação de criteriosa desmontagem e remontagem.

Outra cidade em que Chipperfield estabeleceu um notório vínculo é Veneza, na Itália. Em 2012, ele foi curador da Bienal de Arquitetura, dando o título "Common Ground" –podemos traduzir como terreno comum ou consenso.

Na época, ele afirmou que arquitetos deveriam refletir sobre suas responsabilidades coletivas, dizendo "nós nos promovemos autobiograficamente, mas nos distanciamos das preocupações comuns".

A explicação sobre sua Bienal se concluía com um alerta. "Precisamos compartilhar ideias, reunir nossos talentos, nos levar a sério para que as pessoas não vejam os arquitetos como prima donna, gênios solitários e estrelas da mídia, e sim como profissionais comprometidos com uma agenda compartilhada."

Para além da efemeridade de um evento, Chipperfield também concebeu os novos pavilhões para o cemitério da ilha de São Miguel em Veneza, ambientes plácidos desenhados sob os cânones renascentistas da perspectiva visando as proporções ideais –se os mortos dali não tiverem ido para o paraíso, ao menos seus corpos ficam num lugar terreno de similares virtudes.

No ano passado foi aberta ao público pela primeira vez em cinco séculos o prédio da Procuradoria Velha na praça de São Marcos. Chipperfield requalificou todos os interiores do edifício com mais de cem janelas e sobre 50 arcadas.

Um destaque é o último andar sob o telhado, onde ele abriu uma sequência de novos pórticos com arcos contemporâneos que remetem aos vistos no rés-do-chão.

Para bem compreender um projeto de David Chipperfield, é preciso cumprir a experiência um tanto arcaica de visitar o lugar, percorrer atentamente sala por sala, subir suas escadas sempre singulares, desejar tocar a paredes para sentir a textura de um mármore perfeitamente cortado ou o concreto finamente polido, até, quando menos se espera, se surpreender com um ângulo de inesperada beleza para os olhos.

Aos 69 anos, David Chipperfield foi selecionado em fevereiro para projetar o Museu Arqueológico de Atenas, o que parece ser o destino natural para o erudito que melhor compreende o que o classicismo pode oferecer à arquitetura contemporânea.

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