Museu da Casa Brasileira vai deixar casarão que o abriga e ainda não tem para onde ir

Fundação Padre Anchieta vai retomar o espaço, que há 51 anos abriga a única casa do país voltada à arquitetura e ao design

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Sala de jantar do solar Crespi Prado, que abrigou o Museu da Casa Brasileira por 51 anos e agora será transformado num espaço cultural da Fundação Padre Anchieta

Sala de jantar do solar Crespi Prado, que abrigou o Museu da Casa Brasileira por 51 anos e agora será transformado num espaço cultural da Fundação Padre Anchieta Divulgação

São Paulo

A partir de 30 de abril, o Museu da Casa Brasileira (MCB), o único do país dedicado à arquitetura e ao design, vai deixar o endereço que ocupa há mais de 50 anos, o solar Crespi Prado, um casarão em estilo neoclássico na avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste de São Paulo.

A Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, à qual o museu pertence, e a Fundação Padre Anchieta (FPA), dona do casarão e gestora da instituição desde janeiro do ano passado, encerraram o convênio de administração. Ele valia até 2026.

O acervo do museu irá para uma reserva técnica sem previsão de voltar a ser exposto. Ele é formado por móveis e objetos de design históricos, como poltronas e louças, além de quadros de artistas incontornáveis do país, como Candido Portinari e Di Cavalcanti.

O casarão será transformado num espaço cultural "que abraçará todos os tipos de arte", nas palavras da fundação, e seguirá aberto para receber exposições e eventos. O restaurante Capim Santo também continuará funcionando.

Museu da Casa Brasileira, no solar Crespi Prado, localizado na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo
Museu da Casa Brasileira, no solar Crespi Prado, localizado na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

A decisão foi divulgada em comunicado enviado à imprensa no fim da noite desta sexta-feira, dia 31. A nota diz que o museu "será transferido para outro espaço na capital paulista, mantendo os mesmos padrões voltados à preservação e difusão da cultura material da casa brasileira", mas não especifica qual será o novo endereço.

A fundação e a secretaria de Cultura não responderam aos questionamentos da Folha sobre o que motivou o rompimento da parceria. Eles se restringiram a dizer que não houve problema em relação ao convênio e que a decisão foi tomada em acordo.

O rompimento marca a primeira grande mudança que o governo de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, promove em relação às 62 instituições culturais que estão sob o comando do governo de São Paulo, entre elas a Pinacoteca e a Osesp.

A mudança, no entanto, já era ensaiada há quase cinco anos, ainda na gestão do PSDB, com Geraldo Alckmin à frente, quando a fundação informou ao museu que não planejava renovar o contrato de comodato do casarão, que venceria em 2021.

Há quem considere o Museu da Casa Brasileira indissociável de sua sede. O casarão foi doado à fundação por Renata Crespi em 1968, cinco anos após a morte de seu marido, Fábio da Silva Prado, ex-prefeito de São Paulo.

A viúva, eternizada em um busto esculpido por Victor Brecheret, não só estabeleceu que sua antiga casa fosse usada para fins culturais como doou um acervo de móveis e objetos que é considerada a semente original do acervo do museu.

Professora de design na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Maria Cecília Loschiavo dos Santos diz que o casarão é um elemento central do Museu da Casa Brasileira, do qual já foi curadora. Autora de um livro que é referência na área, "Móvel Moderno no Brasil", ela considera que "vai ser muito difícil outro espaço dar conta" de abrigar a instituição.

"A arquitetura do museu caracteriza a identidade de um período e de uma classe social brasileira —a aristocracia. O casarão é um documento vivo, porque, em contraste com algumas de suas peças mais simples, mostra as contradições e a desigualdade do Brasil."

O acervo, aliás, será desmembrado. Isso porque as peças doadas pelo casal Crespi Prado pertencem à fundação, num regime de comodato com a família, enquanto o restante, adquirido durante os últimos 50 anos, é propriedade do governo estadual.

A secretaria de Cultura afirmou à Folha que suas peças serão guardadas em uma reserva técnica e levadas ao novo endereço do museu assim que ele for reinaugurado. A fundação, por sua vez, disse que sua parte do acervo seguirá exposta no casarão.

Diretor técnico do MCB, Giancarlo Latorraca, por sua vez, vê a mudança com bons olhos. Ele diz que, embora a tensão criada pela arquitetura aristocrata com as demais peças seja interessante, o museu não é dedicado ao mobiliário do século 20.

Ele lembra que, na verdade, o MCB teve como sua primeira sede um prédio na alameda Nottingham, nos Campos Elíseos, bairro do Centro de São Paulo —isto é, já teve vida fora do casarão na Faria Lima. "Agora, é como se o museu estivesse saindo do aluguel e indo para uma casa própria", diz.

Transformar o casarão em espaço cultural era um desejo antigo da fundação, que já planejava ampliar o uso do local para abrigar ao mesmo tempo o museu e outras exposições, entre elas uma dedicada a "Castelo Rá-Tim-Bum".

Nos bastidores, circulou que o programa da TV Cultura, da qual a fundação é dona, poderia ter até um museu dentro do casarão. A FPA diz que o seriado poderá ser tema de exposições temporárias no local, mas que está descartada a criação de um museu dedicado à obra de Cao Hamburger e Flávio de Souza.

Independente de qual tenha sido o motivo para as mudanças no espaço, fato é que o programa infantil, criado em 1994 e exibido com episódios originais até 1997, pode aumentar exponencialmente a arrecadação da FPA com o casarão.

Exposições que reconstruíram ambientes onde viviam personagens como Nino, uma criança de 300 anos, e a bruxa Morgana, sua tia-avó, fizeram sucesso sem precedentes na última década.

O Museu de Imagem e do Som, que abrigou a primeira montagem, recebeu 410 mil pessoas em seis meses, um recorde que é mantido até hoje e fez o MIS se tornar o museu mais visitado do estado de São Paulo em 2015.

O sucesso foi ainda maior na segunda montagem, que ficou em cartaz por 11 meses no Memorial da América Latina entre 2017 e 2018. Ao todo, foram 821 mil visitas, com ingresso vendido a R$ 20 —valor que subiu para R$ 48 no ano passado, quando a exposição voltou, ocupando o Santana Parque Shopping.

As exposições do MCB, por sua vez, sofrerão o impacto da mudança. Para este semestre, estava prevista uma mostra com obras inéditas de John Graz, artista e designer suíço que é considerado o introdutor do art déco no Brasil. Ela será adiada para quando o museu for reinaugurado.

O MCB previa ainda, já para este mês, uma exposição sobre a história do rádio e a memória fonográfica, haja vista os 100 anos da criação da primeira emissora brasileira em abril de 1923. Esta deve ser mantida, de acordo com a FPA.

O circuito das artes teme que o Museu da Casa Brasileira não encontre um novo endereço com facilidade. Não seria a primeira vez que isso aconteceria com um equipamento cultural do governo do estado de São Paulo.

Outrora um grande celeiro de jovens artistas e um dos maiores centros de experimentação estética do país, o Paço das Artes foi despejado do prédio que ocupou por 22 anos na Cidade Universitária em 2016, na gestão de Geraldo Alckmin.

Não só foram quatro anos até que o centro cultural fosse reconstruído como sua nova sede está muito aquém da anterior. Hoje, ele ocupa a garagem do antigo casarão de Nhonhô Magalhães, ao lado do shopping Pátio Higienópolis.

Para além da mudança no perfil do bairro e a distância com o campus da USP, o espaço corresponde apenas a um terço da área que tinha na Cidade Universitária.

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