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‘Vire Cada Página’ conta a dor e a delícia de editar livros e ser editado

Documentário no É Tudo Verdade conta a relação entre o escritor Robert Caro e seu parceiro Robert Gottlieb

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Vire Cada Página

"Ele era a única pessoa que eu jamais vi se importar tanto com a escrita quanto eu", afirma o biógrafo Robert Caro. "Mas veja bem: isso não quer dizer que concordávamos."

O escritor está falando, é claro, sobre seu editor, Robert Gottlieb. Os dois Bobs estão no centro de "Vire Cada Página", um documentário que está na programação do Festival É Tudo Verdade e vai deliciar quem se importa com a colocação precisa de ponto e vírgula em cada parágrafo.

homem e mulher sentados no chão cheio de papéis
Robert Gottlieb e sua mulher em cena do filme 'Vire Cada Página', dirigido por Lizzie Gottlieb - Divulgação

Caro é um dos mais celebrados escritores políticos nos Estados Unidos. Em mais de cinco décadas de carreira, elaborou apenas cinco livros, todos catataus e todos incontornáveis. Quatro deles foram sobre o ex-presidente americano Lyndon Johnson e um sobre o engenheiro Robert Moses, magnata por trás da construção de Nova York —mas nenhum deles é realmente sobre isso. Todos são sobre poder.

Quem o ajudou a ver isso foi Gottlieb, seu editor por toda a vida e um dos nomes mais respeitados da área. Começou a carreira na Simon & Schuster e depois revolucionou a Alfred A. Knopf, duas das maiores casas americanas, com uma passagem elogiada pela chefia da revista New Yorker.

Para quem não se interessa pelas engrenagens do mercado, há um jeito melhor de apresentar Gottlieb. Ele escolheu o número que iria no título de "Ardil-22", de Joseph Heller. Editou livros de Doris Lessing e Michael Crichton, de Ray Bradbury e Salman Rushdie. Tinha profundas discordâncias com sua autora Toni Morrison sobre o uso de vírgulas, mas lembra que ambos tinham estilos de leitura muito parecidos, apesar de terem tido vidas tão distintas.

Para quem é mais de fora ainda do mundo literário, basta dizer que um dos entrevistados do filme é o ex-presidente Bill Clinton, que também trabalhou com o editor e lamenta que tenha declinado fazer seu próximo livro. "Ele é capaz de olhar para um monte de barro e ver uma estátua."

Gottlieb e Caro não toparam dar entrevista juntos para o filme —"é uma relação privada demais"— e uma das maiores diversões de seus 114 minutos é acompanhar constrangimentos para lá de específicos da vaidade de todo escritor.

Caro topa mostrar para a câmera um armário onde anota quantas palavras escreveu por dia. Até que volta atrás, de repente arrependido, e fecha a porta de supetão como se tivesse sido flagrado nu.

Acima de qualquer voyeurismo, o filme é uma aula magna sobre o ato de editar. "Meu trabalho é ajudar o autor a fazer o que quer", diz Gottlieb, consciente de estar sob a cortina. "Ele faz o trabalho, eu limpo."

Em outro momento inspirado, Gottlieb diz que Caro faz questão de que os leitores o entendam a cada passo. Já o trabalho dele é confiar que eles vão entender mesmo que não esteja tudo explicadinho.

Não deixa de ser irônico que o filme tenha problemas de edição. A diretora, Lizzie Gottlieb, é filha de um dos retratados e não resiste a incluir cenas piegas para mostrar como o pai, quase nonagenário, era amável em família.

Nada que estrague o todo, porém. Tudo tem o que cortar.

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