Feira Arco Lisboa tenta mirar a África, mas tem overdose de pintura e vitrine brasileira

Sexta edição do evento trouxe trânsito efusivo entre Brasil e Portugal e peças de nomes como Joan Miró e Wolfgang Tillmans

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Lisboa

O sol de alto verão em plena primavera na capital portuguesa parecia refletir a temperatura elevada dos encontros do mundinho da arte em torno de mais uma edição da Arco Lisboa, braço lusitano da veterana Arco Madrid, feira de arte do país vizinho que já foi a maior vitrine global da arte latino-americana e ainda hoje é elegante porta de entrada de artistas do chamado sul global para os museus e grandes coleções europeias.

É fato que a versão portuguesa da Arco é menos cosmopolita que sua irmã mais velha espanhola. No pavilhão principal da Cordoaria Nacional, uma antiga fábrica de material náutico do século 18 à beira do Tejo, prevalecem galerias da península Ibérica, das poderosas espanholas Juana de Aizpuru, Helga de Alvear e Elvira González às portuguesas Filomena Soares, Cristina Guerra e Kubik, esta última até há pouco com uma sede em São Paulo.

'Sem título #16 (Série Danço Congo)', de José Chambel
'Sem título #16 (Série Danço Congo)', de José Chambel - Divulgação

Ali está o núcleo duro da feira, embora novidades sejam poucas. Há peças de peso, como séries de fotografias de Helena Almeida e desenhos de Paula Rego, grandes damas da arte portuguesa mortas nos últimos anos.

E obras de gigantes globais, desde modernos como Joan Miró, Antoni Tàpies e Lucio Fontana e os minimalistas americanos Carl Andre e Larry Bell a gigantes contemporâneos como o alemão Wolfgang Tillmans, recém-coroado com uma retrospectiva no MoMA, em Nova York, e o cada vez mais incensado Paul Mpagi Sepuya, fotógrafo americano mostrado pela cada vez mais influente Madragoa, de Lisboa.

Mas havia ainda certo frescor nessa ala nobre que respingaria nos galpões emergentes da Arco Lisboa, a começar com as obras de cimento colorido da brasileira Manoela Medeiros, na Kubik.

Em alta, a cerâmica também deu as caras no país dos azulejos. São fortes as esculturas da portuguesa Inês Zenha, tortuosas formas brancas sobre um pedestal azulejado, assim como os bichos de ficção científica do também português Francisco Trêpa, este último na ala das galerias mais novas.

O denominador comum é a overdose de pintura —em grande parte ruim— na feira. É um mal que ataca o circuito desde o fim da pandemia, quando os bolsos mais influentes se tornaram receosos demais para apostar em performance, vídeo, instalação, escultura e outros formatos mais difíceis de adornar interiores burgueses ou aristocráticos. O auge do mau gosto está na parisiense 193, uma galeria cheia de telas kitsch, vítima da moda identitária com trabalhos primários, para dizer o mínimo.

Na ala das novidades, a Baró, galeria espanhola que por muitos anos teve duas sedes paulistanas, na Barra Funda e nos Jardins, apresenta trabalhos do artista Sindival Fila, um brasileiro monge franciscano que faz trabalhos com retalhos de tecidos sobre tela em seu ateliê em pleno Vaticano. São obras de complexa costura, retalhadas, rasuradas e suturadas, que refletem arranhões e cicatrizes do tempo.

Outros brasileiros dão as caras, como Nazareno, com delicadas instalações que refletem uma fase nova de sua obra agora à vista também na Lume, em São Paulo, as intimistas pinturas de Marcelo Tolentino, na Bianca Boeckel, e as fotografias e instalações de Tales Frey, brasileiro radicado no Porto, destacado pela Verve.

O trabalho de Íris Helena, brasileira que há anos vem investigando o legado e a violência por trás da construção de Brasília, também chama a atenção na Portas Vilaseca, galeria do Rio de Janeiro. São fotografias de operários e monumentos da capital brasileira impressas sobre compensado de madeira, algumas afogadas em restos de cimento, a ruína ainda em construção.

Esta sexta edição da Arco Lisboa, que tinha como proposta centrar o olhar sobre artistas de origem africana, acaba por se consolidar como uma vitrine de lupa sobre artistas com trânsito cada vez mais efusivo entre Brasil e Portugal, colônia e metrópole que se embaralharam ao longo da história.

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