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Bárbara Blum

Rita Lee é um legado que passa de mãe para filha como um furacão

Diva irreverente atravessa gerações de mulheres de forma descompromissada e sem recair na pecha de vintage

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São Paulo

Rita Lee, morta na segunda-feira (8), é um raro exemplo de diva que atravessa gerações de mulheres sem ganhar —ou reivindicar— a pecha de vintage. O estilo bem-humorado e irreverente de composição que ecoa até hoje guiou os históricos discos "Rita Lee", de 1979 e 1980.

São álbuns que embalaram, com hits como "Nem Luxo Nem Lixo" e "Lança Perfume", toda carona que uma mãe já deu para sua filha até a escola nos anos 2000. Vinte anos depois, aos quase 30, são essas ex-crianças que agora entoam os hits de Rita nos karaokês decadentes de São Paulo. É assim, de forma descompromissada, que seu legado atravessa as gerações.

A cantora e compositora Rita
A cantora e compositora Rita - Wilman/Acervo UH/Folhapress

Longe de uma Marilyn Monroe de sensualidade preservada em clorofórmio, a figura de Rita permaneceu revolucionária em todas as fases de sua vida. A artista foi uma mulher rebelde em muitas frentes —e aí reside seu frescor.

Foi uma inventiva vocalista nos anos 1960, com Os Mutantes, banda de marmanjos ripongos que ela liderou com charme irresistível. Na época, não era comum que mulheres fossem compositoras. Era bem mais usual a figura da cantora intérprete, como o caso de Gal Costa. Menos comuns ainda eram as mulheres à frente de bandas de rock experimental.

Com as próprias letras, que embalavam as pessoas da sala de jantar com guitarras distorcidas e cuícas, mudaram para sempre a forma de fazer rock no Brasil —e o que era esperado do comportamento de uma mulher.

O samba tinha nomes de força na composição, como Ivone Lara, Clementina de Jesus e Maysa. Mas nada que revolucionasse a indústria cultural como Rita fez. Foi ela que elevou o caráter de cantora-compositora ao nível do pop. Com este alcance, gerações de mulheres aprenderam a ser a ovelha negra de sua família.

Rita não tinha o vozeirão nem a sensualidade fatal de Gal, mas era sexy —e vulgar— com sua irreverência de sempre. "Doce Vampiro", "Mania de Você", "Baila Comigo" e "Amor e Sexo" mostram o jogo da sedução como um parque de diversões, mais um ponto —fora da curva— para a cantora.

Não só no sexo, mas em hinos como "Ovelha Negra" e "Cor de Rosa Choque", ela criou a trilha sonora perfeita para uma juventude de meninas que queriam se desencaixar da caretice, de um lado, mas sem recair no fardo de ser totalmente outsider, de outro.

A vida de Rita foi uma lição à parte. Nada na história foi convencional. Viveu uma parceria romântica e criativa frutífera com Roberto de Carvalho, seu segundo marido, com quem oficializou a união anos depois de já ter filhos. E foi feliz.

No fim da vida, a cantora ainda vivia com o mesmo frescor. Foi uma máquina de memes no Twitter, deu uma entrevista histórica na qual fez piada sobre uma pessoa hipotética que era "tão legal, tão galera" e teve uma velhice ativa, cercada de familiares e de projetos em parceria com o marido, por quem declarava seu amor constantemente.

Rita desafiou a convenção social em todas as fases da vida. A mesma mulher que, nos anos 1960, visse aquela Rita jovial e desafiadora à frente dos Mutantes, poderia enxergar na atrevida Rita idosa o mesmo espírito transformador

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