Críticas mais conservadoras à arte ativista costumam separar forma e conteúdo. Prescindem da primeira, como se não importasse, e enfocam o conteúdo dos trabalhos de artistas engajados. É realmente tentador.
Não é que a forma não importe, ao contrário, é fundamental. E dela, "Flores da Batalha" não prescinde, é plena de forma que esta coletânea de textos de Sérgio Vaz se apresenta.
Para quem acompanha o trabalho desenvolvido nesses 35 anos de carreira, é interessante perceber como o escritor se revê, se revisita, reformula ideias de livros anteriores, se reescreve e investe em estilos variados.
Por seu talento e biografia, Vaz se tornou um dos maiores nomes da literatura periférica. No momento em que representantes de grupos de minorias começam a conquistar, com muita luta, um pequeno reconhecimento de que foram e continuam sendo distanciados do lugar de enunciação, da possibilidade de expor suas ideias como válidas, é uma armadilha criticar um cânone. E aqui estamos.
"Flores da Batalha" é recheado de versos bonitos, profundos, doloridos e engraçados. Não economiza em recursos linguísticos que resultam em poemas excelentes, sem perder o engajamento político que tem dado à sua trajetória um valor tanto literário quanto sociológico. Os poemas "Café Amargo" e "Grande Centrão: Quebradas" são alguns dos melhores.
No entanto, e aqui mora o perigo, o livro perde força pelo didatismo. Este pode ser um recurso importante para facilitar o acesso à sua poesia como ferramenta pedagógica, o que não deixa de ser uma escolha política válida e acertada.
As referências à música popular —grande escola poética onde a educação formal continua a ser privilégio—, conectam com a audiência, enquanto as feitas aos clássicos da literatura trazem repertório. Quem trabalha em sala de aula tem aqui bom material. Para o resto de nós, talvez falte aquele momento "quando o poema prende a respiração para que outra pessoa possa respirar".
Em "Feiura nas Ideias", o personagem está conversando com um jovem, chateado porque "as mina" supostamente não querem namorar "estudante e trabalhador". Este texto retoma a oposição entre "trabalhador" e "bandido", dois tipos sociais populares nos estudos antropológicos para tratar de experiências masculinas na periferia.
Na conversa, explica ao rapaz que existem garotas estudantes e trabalhadoras que provavelmente se interessarão por ele e que, além disso, "nem todo mundo que tem um carro ou uma moto é ladrão", "faz teu corre, deixa a vida dos outros em paz e não tenha vergonha de estudar e trabalhar". Em um universo de aparentes escolhas simples, lisas, sentimos falta de complexidade e beleza (para não dizer que não falei de forma).
Vaz é um artista que sai de Taboão da Serra e vai até Guarulhos, ambas cidades da Grande São Paulo, para conversar com todas as séries de educação para jovens e adultos do município, enquanto outros artistas de grande reconhecimento cobrariam do governo, para uma única palestra, um cachê maior que o orçamento da atividade inteira. Nesse tópico, ele está em outro patamar, perto das bases.
Saraus como o da Cooperifa, a Cooperativa Cultural da Periferia, foram criados por agitadores culturais como Vaz, mas sobretudo criaram artistas como ele. Um "povo lindo e inteligente", como gosta de dizer.
Escritoras como Elizandra Souza, Jenyffer Nascimento, Helena Silvestre, indicada para o prêmio Jabuti em 2020, e Midria, destaque da última Flip, têm nos saraus periféricos uma parte de suas histórias.
Num momento em que os já poucos espaços de cultura de São Paulo são empurrados à privatização e que as ocupações culturais sobrevivem pela força de seu ativismo, o Movimento Cultural das Periferias é semente em terra fértil. O Sarau da Cooperifa acontece toda terça à noite, no Bar do Zé Batidão, na zona sul de São Paulo. Vale a pena ir até lá.
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